Vinhos de ampola e outras considerações

A lição faz parte dos ensinamentos básicos de qualquer aprendiz de marketing, o luxo ajuda a vender, a imagem é fundamental para potenciar as vendas e a exclusividade é um dos argumentos fundamentais na definição da imagem de marca de qualquer produto. É muito mais fácil vender um bem, qualquer que seja o produto, mesmo que proposto a preços indecorosos, quando a ele está associada uma aura de prestígio que transforme o acto de compra num momento de satisfação para o consumidor.rui falcao penfolds 2

Por isso as marcas investem tanto esforço e tanto capital na promoção e na produção de modelos exclusivos, séries especiais, edições limitadas e outros substantivos que a indústria gosta de utilizar para definir um conceito tão simples como exclusividade. Porque o luxo é atraente, porque o luxo simboliza o sucesso pessoal e profissional do comprador, porque o luxo expressa um estatuto social elevado e transmite uma imagem de triunfo, uma aura de vencedor, insígnia que a maioria gostaria de um dia poder alcançar… e por regra exibir.

São as tiragens limitadas que ajudam a vender o volume, são os modelos especiais que incentivam o consumo dos produtos de grande consumo vendidos a preços mais acessíveis. É a imagem de prestígio dos modelos de carros mais caros que ajuda a vender os carros utilitários, são os whiskies de topo que ajudam a manter o grosso das vendas, são os vinhos de prestígio que ajudam a acender o desejo de comprar os vinhos de um determinado produtor ou de uma determinada região.

Por isso as revistas da especialidade, sejam elas de carros, de relógios ou de vinhos, perdem tanto tempo a examinar, testar e escrever sobre carros inacessíveis à maioria dos seus leitores, sobre relógios impossíveis de alcançar a meros terrenos, sobre vinhos de edições limitadas e preços avantajados que, pela sua raridade, a maioria não irá conseguir experimentar. Por isso se analisam e descrevem tantos restaurantes de autor, de cozinha sofisticada e preços pouco recomendáveis, e se perde tão pouca tinta com os restaurantes de bairro, com os “pronto a comer” que representam na prática os restaurantes do dia-a-dia.

Vem todo este arrazoado a propósito do lançamento de mais um vinho do mercado de luxo, desta vez sob a iniciativa do gigante vinhateiro australiano Penfolds, um dos maiores grupos económicos da Austrália e do mundo. Se quiséssemos fazer um paralelo com a realidade nacional poderíamos compará-lo com o exemplo português da Sogrape, o maior grupo pátrio do sector do vinho, um gigante capaz de produzir desde o Barca Velha, um dos ícones maiores do vinho português, até ao Mateus rosé, outro dos símbolos de Portugal e que já fez parte da elite dos vinhos mais produzidos no mundo.

Também a Penfolds é capaz de produzir desde o mítico Grange, o ícone dos vinhos australianos e um dos vinhos mais respeitados do mundo, até aos Koonunga Hill, um vinho presente em restaurantes e lojas de todos os cantos do mundo e de que se enchemrui falcao penfolds 1 muitos milhões de garrafas. Atestada pela ambição de ingressar no mercado chinês e de se posicionar como um produtor do segmento ultra premium, capaz de competir com os grandes de Bordéus, a Penfolds decidiu lançar um vinho que se mostrasse exclusivo em todos os sentidos, desde a produção liliputiana até à embalagem, à forma de comercialização, ao preço e à história que o vinho encerra. De forma críptica como é tradição na casa o vinho chama-se Block 42 Kalimna Cabernet Sauvignon 2004, ou, num tratamento mais coloquial, vinho de ampola.

Comecemos precisamente pelo nome coloquial, ampola, assim chamado porque o vinho vem encerrado numa ampola de vidro completamente fechada, sem rolha de cortiça ou de qualquer outro tipo de vedantes, isolada do mundo dentro de uma redoma de vidro soprado à mão, suspensa numa ampola que por sua vez está suspensa dentro de uma escultura feita igualmente de vidro… que por sua vez está enclausurada dentro de um armário de madeira.

Sigamos com o preço especialmente ambicioso, nada mais nada menos que 130.000 euros por garrafa, valor demencial que será equivalente a comprar aproximadamente uma caixa de Romanée Conti ou a adquirir pouco mais de dez caixas de Chateau Lafite, um dos seis Premier Cru Classé de Bordéus e o vinho mais conceituado e desejado na China. Avancemos então para a produção prevista, uma produção tão limitada que se restringe a apenas doze ampolas disponíveis.

Por ser comercializado numa ampola de vidro estanque, seria impossível para qualquer proprietário poder abrir a ampola e desfrutar do vinho. Por isso está previsto que no momento em que cada um dos doze afortunados compradores deseje provar o seu vinho de 130.000 euros o enólogo chefe da Penfolds, uma personalidade mundial como Peter Gago, voe até ao país, cidade e casa do proprietário… para ser ele a abrir a ampola com uma utensílio especial desenhado para a ocasião, prontificando-se a servir o vinho e a confiar todas as explicações necessárias sobre a sua história e produção.

O vinho é produzido a partir de uma vinha muito velha com quatro hectares de extensão e 130 anos de idade média, distintivas que potenciam a história deste vinho de ampola. Um instrumento de luxo que potencia o nome Penfolds e que cria uma aura de prestígio e raridade num produtor que é igualmente capaz de produzir muitos milhões de garrafas. E nós, com tantos hectares de vinhas velhas, ainda por cima com a vantagem de muitas delas possuírem essa tremenda excentricidade que são as castas misturadas, uma história maravilhosa para vender, não tiramos partido da nossa diferença e nem nos apercebemos do potencial da nossa identidade…

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