Quem fiscaliza?

A categoria Vinhos de Mesa foi encarada desde o início como um simples entreposto de vinhos menores, espaço destinado para albergar sobras e vinhos desenquadrados das regras mais austeras dos vinhos DO e Regionais, prevista para arrumar o mundo dos vinhos a granel, do vinho em garrafão, dos vinhos indistintos.

De repente, e por iniciativa europeia, os vinhos de mesa que durante décadas foram atropelados e repudiados ganharam de vez a possibilidade de manter uma existência digna. Segundo as regras comunitárias, de transposição obrigatória mas adaptável à realidade nacional, os vinhos de mesa passaram a poder ostentar data de colheita e indicação de castas, propriedades até hoje recusadas a esta classe. Ganham os consumidores, ao poderem datar o vinho e distinguir e identificar as castas do lote, tal como ganham os produtores dos novos vinhos ao abolir algumas das restrições que limitavam o vinho europeu face à concorrência dos países do novo mundo.

Aparentemente, o futuro apresenta-se esperançoso e sorridente. Porém, não consigo esconder algumas interrogações, sem por isso duvidar da bondade e necessidade da lei. As dúvidas podem resumir-se a uma simples questão – quem certifica os vinhos de mesa? Quem certifica que o ano de colheita impresso no rótulo é verdadeiro e quem assegura que as castas indicadas no contra-rótulo são autênticas, estão presentes… e nas proporções indicadas?

O IVV (Instituto do Vinho e da Vinha), entidade certificadora do Vinho de Mesa, não tem capacidade nem vocação para o fazer. Não dispõe do pessoal suficiente nem de um cadastro da vinha nacional suficientemente exaustivo que lhe permita realizar tal tarefa.

Quem então deverá então assumir tal competência? Como poderão as Comissões Vitícolas Regionais implementar uma fiscalização eficaz quando os vinhos a aprovar poderão resultar de um lote de diversas regiões? Um Vinho de Mesa elaborado com uvas provenientes da Bairrada, Douro, Alentejo, Ribatejo e Algarve será certificado por quem? Quantas regiões possuem cadastros das vinhas suficientemente actualizados para poder permitir certificar a origem e autenticidade das castas?

Poderá até parecer uma questão menor mas a situação levanta a possibilidade real de virmos a ser assaltados pelo drama da invasão e proliferação de vinhos baratos, muito baratos, de datação, origem e autenticidade duvidosa. Sem regulação e fiscalização séria podemos vir a ser inundados por vinhos Alvarinho e Touriga Nacional vendidos a pouco mais de cinquenta cêntimos por litro. Um drama latente que poderá destruir de forma instantânea o trabalho de décadas, num abastardamento e apropriação das melhores castas nacionais por parte de produtores menos escrupulosos.

No passado conseguimos destruir mercados e arruinar a reputação de regiões inteiras exportando vinhos “Reserva” e “Garrafeira” imbebíveis… a pouco mais de cinquenta cêntimos. Estaremos agora na disposição de evitar os erros do passado?

Tags:
2 Comments
  • avatar

    Jan74

    March 6, 2012 at 17:47

    Pois…é que o problema é ainda maior se pensarmos que muitos dos actuais produtores de vinhos com IG ou DOP vão exactamente aproveitar a onda para deixar de certificar os seus vinhos, deixando também os operadores que lutam pelas DOs desamparados…a quem interessa esta facilidade ??? Mas pensando no consumidor isto interessa a alguém…vai o consumidor ter mais ou menos garantias sobre o produto ? Penso que só temos um caminho, as entidades certificadoras existentes para os vinhos DOP e IG devem assumir o controlo desses mesmos vinhos e as taxas pagas devem reverter em parte para estas mesmas entidades…é a unica hipótese de existir algum controlo real!

  • avatar

    Hugo Mendes

    March 7, 2012 at 11:50

    Boas Rui,
    Belo post. Mais um!
    O problema é mesmo nos vinhos de mesa? É que se substituir neste post esta designação por vinhos D.O.P. e Regionais, o texto não perde inteiramente a validade.
    Quem pode, efectivamente garantir que o vinho que certifiquei este mês é verdadeiramente de 2011? Quem garante que só lá pus a casta que declarei? Quem garante que não usei uva de outras proveniências, ou que não vendi a minha para outros locais? Quem garante que não os encharquei de aromas?
    Uma câmara de provadores que só rejeita quando encontra defeitos? Uma CVR que só rejeita quando a câmara de provadores encontra defeitos ou o laboratório identifica parâmetros irregulares?
    E isto não é a CVR que me tutela, são a maioria das que existem neste pais (nem digo que estejam erradas, essa avaliação não interessa para aqui!).
    Preocupa-o os vinhos de mesa muito baratos? Pois que me farto de ver Reservas tintos, do ano anterior, certificados como Regionais, nas prateleiras dos supermercados abaixo dos 3€.
    Ou seja, toda esta história da certificação de vinhos, pode muito bem não passar de uma falácia. Basta querer para se conseguir encontrar formas de aldrabar!
    Abraço
    HM

Post a Comment

CommentLuv badge