Os verdadeiros embaixadores de Portugal

Já o escrevi no passado, os vinhos portugueses sofrem de uma falta de imagem explícita que os afasta das listas de escolhas óbvias e intuitivas da maioria dos enófilos internacionais. Sim, é verdade que em alguns mercados mais ou menos isolados, nomeadamente no caso paradigmático dos países lusófonos, onde existe uma proximidade cultural e emocional que possibilita que Portugal possua uma imagem positiva e atraente, uma imagem de país clássico e ligado às tradições, gozando desse agradável e raro privilégio de poder contar com a empatia antecipada do consumidor, com uma simpatia natural que se manifesta desde o primeiro instante, quando o vinho ainda está na prateleira da garrafeira ou supermercado.madeira

Em função dos diferentes mercados, de uma maior proximidade ou afastamento geográfico em relação a Portugal, da existência de uma maior afinidade cultural ou de uma ligação menos afectiva, da presença de uma maior aposta de comunicação e formação ou de algum alheamento comercial e institucional, os vinhos portugueses debatem-se com a eterna dificuldade de amargarem com uma ausência de imagem ou, nos piores casos, de uma imagem muito pouco lisonjeira.

Enquanto no primeiro caso, quando os vinhos nacionais vivem sob a anestesia e entorpecimento do anonimato, o problema pode ser facilmente corrigido com um investimento sério na formação e comunicação, no segundo caso, quando a percepção é negativa e a imagem pouco abonatória, a resolução será sempre delicada e financeiramente pesada, obrigando a investimentos dolorosos e dilatados no tempo. É muito mais fácil criar e implementar uma imagem positiva ou simplesmente razoável a partir do nada que tentar reverter uma valoração que à partida nos é claramente desfavorável. É muito mais fácil partir do zero que perder anos e proveitos a tentar simplesmente regressar ao ponto zero.

Se durante anos pouco se fez para combater esta triste realidade há que reconhecer que Portugal tem hoje, finalmente, uma política activa de afirmação internacional. Se durante anos os esforços foram maioritariamente casuísticos e fruto de boas vontades ocasionais, resultado de esforços e iniciativas individuais, existe hoje uma estratégia pensada, organizada, coerente e adaptada a cada um dos mercados identificados como sendo prioritários. Se durante anos a aposta na promoção se revelou inconsistente no tempo, na mensagem e na lista de alvos escolhidos, alternando de acordo com os humores e as ocasiões, introduzindo uma comunicação aleatória tanto na identificação dos mercados prioritários como nos conteúdos, hoje percebe-se uma mensagem perfeitamente racionalizada nos objectivos e na forma de os alcançar.

Concorde-se ou discorde-se com a estratégia finalmente acordada, a verdade é que Portugal acolheu por fim um plano e uma mensagem coerente, consistente nos conteúdos e na sua execução ao longo dos anos, coerente, consistente e com uma visão de médio a longo prazo. Como em todas as decisões políticas, como em todos os planos estratégicos do mundo, haverá quem se identifique com os grandes princípios e quem não se reveja nos objectivos adoptados. Nada de mais saudável e natural. Mas independentemente dos gostos pessoais, das teorias particulares e das conveniências individuais de cada agente do sector do vinho, a verdade é que foi estabelecido um código de actuação e uma lista de mercados prioritários, um mapa de objectivos mensuráveis, um modelo integrado de promoção e formação, um orçamento transparente e uma lista de propósitos que é clara e que é passível de ser fiscalizada no cumprimento dos objectivos e na apuração de responsabilidades.

Uma política clara e precisa de promoção de uma das montras mais emblemáticas de Portugal, o vinho, um dos poucos produtos do depauperado sector primário português que soma casos de sucesso. Uma promoção que P1020008será no entanto muito mais eficaz e racional nos objectivos se estiver associada a uma promoção conjunta com os dois grandes vinhos generosos de Portugal, os representantes Vinho do Porto e Vinho da Madeira, os dois vinhos de maior prestígio de Portugal. Se por um lado os vinhos portugueses sofrem de alguma desconsideração internacional e de uma penosa falta de imagem global, estes dois vinhos generosos situam-se entre os grandes do mundo, entre a elite dos vinhos internacionais, entre o que de melhor se faz no mundo e é reconhecido como tal.

Dissociar a imagem dos vinhos portugueses destes dois grandes vinhos generosos, dissociar a imagem dos vinhos do Alentejo, Bairrada ou Vinho Verde da grandeza real e reconhecida do Vinho do Porto e do Vinho da Madeira seria um erro fatal e de difícil compreensão. Apresentar vinhos portugueses nos nossos mercados mais relevantes, nos mercados onde concentramos os nossos recursos físicos e financeiros, e terminar sem a presença reconfortante e prestigiante de um destes dois vinhos fortificados seria perder a oportunidade de imprimir uma marca perene na memória de quem quisemos influenciar, de quem quisemos doutrinar e converter para a causa do vinho português.

Desbaratar aquele que é um dos maiores trunfos de Portugal, a sua colecção única de vinhos generosos, é algo que não podemos arriscar. Afinal, quantos dos países produtores de vinho no mundo dispõem de armas tão valiosas quanto os nossos Vinho do Porto e Vinho da Madeira?

Texto publicado originalmente no suplemento Fugas do jornal Público em 8 de Dezembro de 2012

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1 Comment
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    Hugo Mendes

    January 5, 2013 at 16:02

    Concordo.

    Este texto fez-me lembrar uma afirmação que fiz aqui há dias, sobre um outro assunto, mas que penso não ser desajustada ao comentário presente. Dizia assim:

    “… lia um estudo na net que afirmava que os vinhos de Bordéus de elevada qualidade representam apenas 5% da totalidade da produção. Não me parece que seja muito diferente de cá (se for, acredito que tenhamos uma % de vinhos de qualidade elevada maior!). Qual é a diferença com os nossos? Simples, eles promovem esses 5% e vendem os outros 95% na boleia, nós, promovemos os 95% e escondemos os 5% para não aborrecer os grandes produtores que compram selos de promoção aos milhares e têm de ser agraciados por isso. Não só não vendemos a totalidade desses 95% como deixamos para segundas núpcias os 5% que interessam promover.”

    Acredito que o cenário está em mudança. Acredito nesta equipa da Viniportugal, fui à apresentação do seu plano de MK e achei tudo muito sólido, pensado e lógico (mesmo aquilo com o qual não concordei!). Ao contrário dos anteriores que, a meu ver faziam mais “politica” do que acção.(ainda fazem,mas agora noutros poleiros!)
    Sei que não depende, não deve depender, tudo da Viniportugal,mas acho que devem ser, mais do que outros, um elemento agregador e catalisador das acções individuais. penso que isso irá acontecer!
    Hugo Mendes recently posted..TWA nas nomeações WMy Profile

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