O vocabulário do vinho

A retórica e adjectivação utilizadas na descrição dos vinhos socorrem-se de um sem número de expressões de compreensão difícil, algumas das quais caricatas, outras surpreendentes… e outras simplesmente misteriosas. Fazem parte de um jargão único e relativamente caprichoso que a maioria estranha e pouco compreendem. São tantas as expressões excêntricas ligadas ao vinho que se tornou fácil, e relativamente comum, troçar com o seu vocabulário rebuscado, com as dezenas de analogias e comparações, com a invocação de aromas raros e exóticos.

Porquê falar em frutos como cerejas, morangos, framboesas, amoras ou ameixas, porquês falar em especiarias, porquê falar em flores, porquê esta necessidade de se socorrer de um vocabulário tão rebuscado? A resposta, apesar de simples, não permite uma abordagem simplista e é uma consequência directa das limitações do corpo humano.

Apesar de nós humanos possuirmos cinco sentidos, visão, audição, tacto, olfacto e paladar, o nosso cérebro dá primazia total à visão, relegando o sentido do olfacto para uma posição subalterna. A visão concentra cerca de 80% das nossas capacidades cognitivas, o que lhe garante a posição de sentido mais apurado e onde depositamos maior confiança. O olfacto, tal como o paladar, são dois dos sentidos em que menos confiamos, assegurando pouco mais de 2% da nossa capacidade cognitiva . Por isso a linguagem humana é tão pobre na descrição de odores e fragrâncias, tão limitada na análise aromática… e tão rica em descritivos adequados às cores, formas e dimensões de objectos.

Por fisiologicamente menosprezarmos o sentido do olfacto sentimos uma dificuldade extrema em verbalizar, quantificar e qualificar aromas. Sem o necessário vocabulário para descrever odores, socorremo-nos de metáforas, invocando os aromas e sabores que conhecemos e memorizámos para caracterizar e colorir o mundo dos perfumes e das fragrâncias. Por isso afirmamos que, por exemplo, a casta Alvarinho evoca aromas de maracujá e limão, ou que a casta Touriga Nacional recorda aromas florais de violetas.

A linguagem do vinho é estranha? Sim, mas não é caso único e não é substancialmente diferente dos restantes campos de especialização. Cada ramo da ciência e do lazer desenvolveu uma linguagem específica que servisse as necessidades particulares da sua área de conhecimento. Por isso o vinho teve de construir o seu léxico específico, tal como a informática teve de criar uma linguagem especializada, com um vocabulário incompreensível para a maioria, tal como o futebol criou um léxico especializado ou a moda inventou termos excêntricos.

Como desvendar então os segredos do mundo do vinho, descodificando de vez o seu estranho vocabulário? A resposta é simples, em nada diferindo dos restantes desafios da vida – ter vontade de aprender. Com tempo, esforço e dedicação, os descritivos do vinho farão mais sentido e será muito mais fácil distinguir e descrever as inúmeras subtilezas e distintivas de cada vinho.

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2 Comments
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    Elias Macovela

    December 12, 2011 at 23:39

    Caro Rui Falcão,

    Belo post. Muito simples e didáctico a desmontar a questão do vocabulário do vinho.

    Cumprimentos,
    Elias Macovela

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    Rui Falcão

    December 13, 2011 at 08:43

    Elias Macovela, obrigado pelas palavras simpáticas.
     

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