O preço da originalidade

Se aceitarmos como autêntico o que tantos afirmam com empenho, então os vinhos demasiado frutados, vincados pela madeira, redondos, suaves, muito ligeiramente adocicados, volumosos e declaradamente alcoólicos, demasiado evidentes e de leitura fácil, estão fora de moda. Vinhos intitulados de gosto internacional, padronizados e com sintomas claros de falta de personalidade, insípidos e excessivamente neutrais, relativamente inexpressivos, serão, aparentemente, vinhos rejeitados pela crítica profissional e pelos enófilos mais esclarecidos.

Se aceitarmos como autêntico o que tantos afirmam com empenho, o que entusiasma serão os vinhos atestados de personalidade, austeros, profundos e enigmáticos, com uma capacidade de guarda impressionante. O que emociona os verdadeiros enófilos serão os vinhos de temperamento forte, que se destacam pela originalidade e presença firme. Vinhos que poderão mesmo chegar a apresentar pequenas imperfeições que se desculpam por oferecer uma visão mais humana da natureza, fraquezas que atestam a autenticidade do terroir, fragilidades que dão cor à vida. Vinhos quase sempre de produções limitadas, coerentes com o terroir, minimalistas na intervenção humana, vinhos que descrevem com fidelidade o solo, clima, ano agrícola, variedades de uvas e a interpretação mais ou menos profunda do enólogo.

Esta é a visão mais poética do vinho, advogada pelas palavras de tantos apreciadores. Infelizmente, oferece pouca ou nenhuma correspondência com a realidade. Porque os poucos produtores que se mantêm inconformistas e irredutíveis, com temperamento e identidade própria, rapidamente descobrem que estes vinhos dificilmente se vendem, não circulam no mercado e que raramente despertam simpatia… apesar das produções tão limitadas e de críticas tão favoráveis. A diferença e originalidade, tão valorizados nos discursos têm muito pouca correspondência com a realidade.

Consequência? Mesmo os produtores mais irreverentes, com um histórico reconhecido de vinhos originais, sentem dificuldade em vender as suas pequenas produções, traídos pela crescente indiferença em relação a vinhos que se destaquem da eterna trilogia da fruta, doçura e suavidade de taninos. Bebemos estes vinhos originais ou limitamo-nos a falar deles?

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5 Comments
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    jms

    December 17, 2011 at 22:27

    Tenho muita dificuldaade em beber vinhos muito frutados, achocolatados, abaunilhados, adocicados (estou a falar de brancos e de tintos e de rosés).
    Portanto… não os bebo, nada me obriga e não sou masoquista.

    Gosto de vinhos one o sabor e nriz da adega pelo menos já não são os primordiais e mais evidentes, em que os aromas secundários e mesmo terciários tonam o ninho mas complexo e desafiante. Que são um bom parceiro e contrapartida do que estou a comer.
    Claro que até ganham, os bons, em ser macios e redondos, com estrutura, mas essa delicadeza é-lhe dada pelo tempo.

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    Rui Falcão

    December 19, 2011 at 09:30

    Bom dia Jorge, que prazer lê-lo aqui!
    Não tenho a mais pequena dúvida que os vinhos que descreve são os que mais o entusiasmam. Temos gostos comuns e não somos seguramente os únicos a defender este estilo de vinhos menos “conformes”. Infelizmente, e apesar de tão falados e tão elogiados, a verdade nua e crua é que os vinhos deste estilo, apesar de por regra apresentarem produções reduzidas, são extremamente difíceis de vender, das casas mais pequenas às casas com maior poder de comunicação.
    Um dos bons exemplos desta realidade, entre muitos outros possíveis, está bem patente nos primeiros Colecção Privada da José Maria da Fonseca. Se a ideia original era poder apresentar resultados práticos da enorme colecção ampelográfica da casa, mostrando castas pouco comuns e diversificadas, com vinhos estremes de castas então muito pouco conhecidas como a Tannat… a verdade é que os vinhos não se venderam (nem no primeiro ano, o ano da novidade), apesar de tiragens de pouco mais de 1.000 a 1.500 garrafas. A única excepção partiu dos vinhos elaborados com Syrah ou Moscatel, os mais óbvios, já conhecidos do público, os únicos que ainda foram continuados durante algum tempo.
     

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    Hugo Mendes

    December 19, 2011 at 16:11

    Caro Rui,
    Não posso estar mais de acordo com a visão expressa neste post.
    Pergunto-me muita vez qual será o futuro destes vinhos. Estou certo que não temos sabido defender e promover decentemente a especificidade e autenticidade. Não somos um mercado maduro, onde existe consumo para esses produtos e, temos produtores que teimosamente se mantêm pequenos e desagregados para termos força suficiente na exportação.
    Estes sãoo, a meu ver, quem mais culpa têm nisto pois não têm peito para aguentar a dicotomia extremada de gostos que se gera à volta deste tipo de vinhos. Quem procura o consensual só se afasta deste caminho. O resto acha que vem por arrasto.
    Nem tudo me parece mau, para além dos fortificados, que os ingleses fizeram questão de os tornar imortais, temos o caso dos Verdes, longe de serem um caso perfeito, são dos melhores exemplos de uma região sabe enviar mensagens de diferença, de autenticidade, mesmo quando não o são. Já viu que ao contrário de outras regiões específicas, como Bucelas, raramente vê um vinho verde ser incluído num painel cego nacional? Isso diz alguma coisa sobre um trabalho na autenticidade, não?
    Já agora, deixo as perguntas. Como vê o Rui o futuro deste tipo de vinhos em Portugal?
    Acha que poderia ser feito algo para inverter o caminho?

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    Rui Falcão

    December 19, 2011 at 17:49

    Hugo, a poder fazer-se algo, esse esforço terá de partir de produtores, isolados ou em associações informais, e de críticos e/ou líderes de opinião. Penso que os organismos oficiais, por muito esforço e boa vontade que tenham, não devem ser chamados a comprometer-se neste assunto. O seu objectivo é a promoção da imagem do país, e em alguns casos a certificação, e não devem estar empenhados em nada mais.
    Admito que os principais actores, os que têm maior responsabilidade e maior capacidade para subverter esta lógica, são os jornalistas especializados, críticos de vinhos e demais líderes de opinião. Ninguém melhor que eles para fazer pedagogia, para informar, para alertar para outras realidades, para despertar consciências e para amadurecer gostos e conhecimentos.
    Dos produtores de vinhos deste estilo, o que quer que sejam os vinhos “originais” e com personalidade, espera-se a capacidade para manter esforço e convicção nos vinhos que fazem… o que é sempre mais fácil de sugerir para quem está de fora e não tem de sofrer as agruras económicas de quem vê o vinho parado na adega.
    Fórmulas mágicas, essas seguramente não as tenho, e receio de quem as tenha. Além de educação, pedagogia, autenticidade, insistência, crença e capacidade para ligar o vinho a uma boa narrativa, a uma boa história, que tem de ser genuína, não conheço muito mais receitas.
    Enfim, o tema presta-se a muito, mas, para além da retórica, a solução resume-se a educar e trabalhar, sempre com identidade. Ou seja, nada de novo.
     

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    Hugo Mendes

    December 19, 2011 at 23:08

    Estou de acordo que o ónus seja dos produtores. Não estou tanto que esteja também nos críticos e líderes de opinião. Percebo que tenha de haver abertura por parte destes, mas é ao produtor quem cabe explicar e formar imagem. Mesmo com os críticos.
    Estou de acordo também quanto ás entidades de promoção. Contudo, penso que este tipo de vinhos reforça a imagem nacional, se e quando forem incluídos numa amostra muito bem escolhida, democrática, variada (ou não, dependendo do contesto) mas, essencialmente assertiva. Escolhida em função dessa imagem global e não tanto ao sabor de vontades e pressões individualizadas.
    Gostei de ouvir a Viniportugal que concentrará esforços na formação e um foco especial para os vinhos de castas portuguesas. Até que enfim que se começa a pensar em Português. espero que não tenham sido apenas palavras.
    Mas no essencial é mesmo isso que o Rui diz, educar e trabalhar. Juntaria apenas organizar e associar.

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