Rui Falcao - Mosel

Mosel

O percurso de vida de qualquer amante do vinho só poderá estar verdadeiramente completo depois de uma visita à região alemã de Mosel, aquela que melhor transmite a sensação de leveza, elegância, tensão, frescura e delicadeza. Uma das poucas regiões do mundo capaz de mostrar vinhos que se mostram simultaneamente delicados, etéreos, vigorosos e poderosos.Rui Falcao - Mosel

A indiscutível qualidade e originalidade dos vinhos de Mosel junta-se uma paisagem deslumbrante, austera mas harmoniosa, de uma sobriedade e monumentalidade quase indescritíveis. Apesar das muitas diferenças que as separam só o Douro se lhe pode comparar na grandiosidade da natureza e na homília do esforço do homem, na beleza e magnificência do horizonte e na conquista à mão de um território hostil.

Mosel, tal como no Douro, ganhou o nome do rio que a atravessa e que tornou possível o milagre do vinho. Numa paisagem tingida pelos meandros do rio Mosela, o grande obreiro do prodígio dos vinhos de Mosel, a vinha não seria viável sem o socorro das águas calmas do rio. As vinhas de Mosel situam-se muito acima do limite norte europeu de viabilidade da videira e são capazes de florescer graças a um feliz quadro de casualidades e pequenos milagres que permitiram o sucesso do vinho em paragens tão estremadas.

O vale profundo e tortuoso que o rio Mosela foi criando ao longo de séculos protege as vinhas dos ventos frios e ameaçadores que chegam do norte permitindo que a vinha prospere nas encostas vertiginosas, proporcionando assim dezenas de exposições diferentes graças às constantes mudanças de direcção do rio Mosela. Os solos xistosos soltos e profundos, muito semelhantes ao Douro, absorvem e concentram o calor produzido ao longo do dia para logo o libertar suavemente durante as noites frias. O rio Mosela funciona como espelho de água reflectindo os raios solares pelas vinhas das encostas mais escarpadas.

Finalmente, e em mais numa sucessão de analogias com o Douro, as vinhas velhas e muito velhas abundam, algumas delas ainda em pé-franco. Tal como no Douro a mecanização dos trabalhos na vinha é impossível em encostas tão íngremes, e tal como no Douro existe uma dependência económica quase absoluta da vinha e uma enorme fragmentação da terra dividida em explorações muito pequenas e fragmentadas. As afinidades culturais completam-se com a vinha mais velha disposta em socalcos e patamares, tão ao jeito do Douro, enquanto a maioria das vinhas jovens estão plantadas ao alto, por vezes em inclinações quase impossíveis.

Nenhuma outra região do mundo possui vinhas tão improváveis como em Mosel, com inclinações que chegam a atingir o patamar dos 80º, mais parecidas com paredes de escalada que vinhas onde alguém se disponha a podar, sulfatar ou vindimar com um cesto pesado às costas. As encostas são tão íngremes que nas vinhas de maior pendente os trabalhadores são obrigados a vestir um arnês que fica preso por cordas face ao perigo de queda. Para ajudar os trabalhadores a subir e descer com os cestos de uvas foram construídos centenas de pequenos funiculares monocarril que avançam pelas vinhas acima como se estivessem numa montanha russa.

Porém, e ao contrário do Douro, o protagonismo em Mosel está reservado para uma só variedade, o Riesling. A casta respeita e espelha o terroir de forma fiel e os estilos são dramaticamente diferentes consoante a vinha onde nasceram. Por isso o nome da vinha, bem como o nome da vila mais próxima, é fundamental para a descodificação dos vinhos. Uma informação importante que ajuda a identificar cada vinho e o potencial de qualidade já que muitas vinhas têm nomes idênticos diferenciadas apenas pelo nome da vila. O exemplo perfeito deste paradigma são as dezenas de vinhas identificadas como Sonnenuhr (relógio de sol), reconhecidas por rótulos tão famosos como Zeltinger Sonnenuhr, Wehlener Sonnenuhr ou Brauneberger Juffer Sonnenuhr, vinhas identificadas pelos enormes relógios de sol suspensos nas encostas que estão localizadas nas vilas de Zeltingen, Wehlen e Brauneberg. Cada vinha possui um perfil e estilo perfeitamente definidos que podem variar entre a elegância suprema de Wehlener Sonnenuhr e a opulência barroca e energia extrema dos vinhos de Erdener Prälat.

Rui Falcao - MoselAté os nomes das vinhas declaram algo contando histórias bizarras sobre a sua origem e os seus predicados, animadas por vezes de nomes deliciosos. Veja-se por exemplo a vinha de Erdener Prälat (o bispado de Erden), Erdener Treppchen (escadas íngremes de Erden, nome que ganhou face ao declive pronunciado da vinha em socalcos), Graacher Himmelreich (o reino dos céus de Graach), Bernkasteler Doktor (o doutor de Bernkastel, em referência ao facto de um bispo ter sido alegadamente curado de uma longa doença após ter bebido um vinho oriundo desta vinha) ou Ürziger Würzgarten (o jardim especiado de Ürzig, por os vinhos serem especialmente especiados no aroma com uma gama incrível de frutos tropicais e notas citrinas).

A maioria dos vinhos tem graduações alcoólicas muito baixas, por vezes com pouco mais de 7º, o que não impede que os vinhos de Mosel estejam entre os vinhos de mair capacidade de guarda, sendo comuns os exemplos de vinhos com mais de setenta anos de vida. Tudo isto numa região onde segundo a lógica da natureza a vinha nem deveria ser capaz de sobreviver.

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