Loureiro… e um dos produtores mais irreverentes da Califórnia

Randall Graham é um dos enólogos e produtor mais irreverentes de que há memória no universo vínico, um provocador nato que ajudou a transformar e revolucionar a paisagem do vinho norte-americano. Mais que um enólogo puro, actividade para a qual não dispõe de qualquer formação formal e cujos conhecimentos foi ganhando de forma empírica, Randall Graham é um ideólogo do vinho, um pensador e reformador que gosta de viver livre e sem regras, um agitador que gosta de desinquietar, um espírito inquieto que se obriga a desafios contínuos.

LoureiroUm ideólogo que muito mais que simplesmente fazer vinhos bons e determinar novos caminhos demonstra uma facilidade e intuição natas para propagandear e exaltar as suas criações exibindo dotes de comunicação invulgares. É um homem do mundo do espectáculo que sempre conseguiu divulgar os seus ideais de forma global, seja pelas artes do escândalo e divertimento, seja pela profundidade das suas convicções e pela sinceridade desconcertante com que as apresenta e promove.

Entre os momentos de maior escândalo e entretenimento conta-se o mediático funeral da rolha de cortiça, acto rebelde e contestatário que estremeceu a cidade de Nova Iorque e o ambiente habitualmente sereno do vinho em 2002. Randall Graham decretou a morte e enterro da rolha de cortiça com direito a cortejo fúnebre pelas ruas de Nova Iorque e vigília no ambiente monumental do Grand Central Terminal de Manhattan onde as exéquias foram proclamadas pela famosa escritora Jancis Robinson diante de um caixão aberto onde repousava um corpo feito de cortiça, o corpo da personagem Thiery Bouchon, diante de um Randall Graham vestido de smoking roxo que fez o epitáfio da rolha de cortiça.

Randall Graham transformou-se em produtor de vinho em 1983, data em que fundou a Bonny Doon sem que à época tivesse ainda um plano formado sobre que estilo de vinhos fazer… ou seque como os fazer. Se no início, tendo em conta a sua paixão pela Borgonha, as suas atenções se voltaram para a casta Pinot Noir, cedo percebeu estar a apostar no cavalo errado abraçando antes as castas das Côtes du Rhône, variedades quase desconhecidas na Califórnia nessa época. Randall Graham adoptou estas novas castas com um tal fervor que acabou por ficar conhecido como o Rhône Ranger, num gracejo e trocadilho com o famoso Lone Ranger do nosso imaginário do Oeste norte-americano.

Os vinhos excelentes que começou a produzir, mas também as suas tácticas de guerrilha institucional e de comunicação irreverente, deram-lhe uma visibilidade anormal que rapidamente o transformaram num dos produtores de culto californianos mais célebres da sua época. Sem ter qualquer treino formal em enologia Randall Graham conseguiu criar uma sequência de vinhos excepcionais que demonstraram uma intuição natural para a causa. A sublinhar a qualidade surgiram uma montanha de rótulos estranhos e misteriosos, pelos nomes e pela iconografia usada, parodiando muitas das conjunturas mais estranhas e caricatas do vinho. Entre os rótulos mais famosos conta-se o “Le Cigarre Volant”, um rótulo que graceja com uma lei francesa de uma comuna das Côtes du Rhône que estabelece a proibição legal de qualquer OVNI poder aterrar nas vinhas da região. Ora como em França os OVNI são coloquialmente conhecidos como charutos…

Quase duas décadas mais tarde Randall Graham resvalou de ser um iconoclasta do vinho a ser um produtor de volume, assumindo uma produção que chegou a ultrapassar as cinco milhões e meio de garrafas. Foi por essa altura, e depois de um problema grave de saúde, que percebeu estar a seguir um caminho errado. Vendeu quase tudo, terras, adega e marcas, para passar a dedicar-se a reinventar o projecto inicial, reassumindo o papel de criador e revolucionário, adoptando de corpo e alma a perspectiva da agricultura orgânica de onde rapidamente passou para os princípios da biodinâmica.

Para grande felicidade encontrei-o há recentemente em Nova Iorque na prova anual do grande importador e distribuidor Michael Skurnik, circunstância que me permitiu provar os seus vinhos actuais. AlgunsLoureiro deles excelentes, outros intrigantes, outros relativamente estranhos e perturbadores. Porém, ainda mais que os vinhos, o que inquieta em Randall Graham é o seu discurso fácil e apaixonado, a sinceridade desconcertante com que afirma já ter mudado de opinião diversas vezes, a mea culpa que assume sem relutância, a mudança profunda na crença absoluta nos vinhos de terroir, sem manipulações na vinha.

E ainda mais desconcertante foi ter Randall Graham a explicar com todos os cuidados os porquês da sua aposta relativamente recente na casta Alvarinho de que acabou de lançar um vinho, o Bonny Doon Albariño Central Coast 2012, assim mesmo, escrito na versão galega da casta. Um vinho extremamente aromático mas atípico que identifica a variedade embora num registo diferente e algo exótico. Segundo Randall Graham o seu Albariño nunca poderia ser comparado com um Alvarinho português… mas não ficaria mal perante um Albariño galego, num dos maiores elogios que os vinhos Alvarinho portugueses poderiam receber.

Mas ainda mais inesperado foi ouvir Randall Graham elogiar até à exaustão a outra das grandes castas brancas da região do Vinho Verde, o Loureiro, variedade que Randall Graham já teve plantada num passado recente e que deseja replantar muito em breve, depois de a ter perdido por completo numa vinha experimental. Os elogios foram tão enfáticos e tão empolados que não resistiu a identificá-la como uma das melhores do mundo e uma das mais promissoras para o futuro. Depois de ter ajudado a colocar no mapa variedades como a Grenache e o Carignan será que Randall Graham poderá fazer algo de semelhante pelo Loureiro e pelo Alvarinho?

Tags:
2 Comments
  • avatar

    Luis Pato

    December 31, 2013 at 16:15

    E provastes o VINHO GRINHO(Alvariño e Loureiro) ?
    Quando lá estive em Santa Cruz, na sua vinícola -um pequeno armazém como é uso nos países do Novo Mundo Anglosaxonico.
    Bem bom!
    Boas Fesas.

  • avatar

    Rui Falcão

    January 1, 2014 at 12:03

    Nope, infelizmente hoje ele já não produz esse vinho e perdeu a vinha do Loureiro.
    A maior recordação, para além da conversa cheia de um humor acutilante e de ideias a tender para o radical, foi o seu Syrah Le Pousseur, um Syrah pleno de personalidade, simultaneamente carnudo e elegante.
    Boas festas

Post a Comment

CommentLuv badge