DOP Portugal?

Os nomes são importantes. Um nome tem sempre uma mensagem associada, seja ela positiva ou negativa, moderna ou antiquada, justa ou injusta. Como qualquer aspirante a estudante de marketing poderá afiançar de bom grado os nomes são decisivos para vender uma região, para vender um país, para vender uma mensagem, para vender um conceito, para vender um estilo de vinho.

Sem estratégia, sem uma boa mensagem e sem um nome proveitoso, a promoção transforma-se numa tarefa realmente penosa. Escolher um nome eficaz e conveniente, um nome que seja simultaneamente agradável e entusiasmante, um nome que se confunda facilmente com qualidade, originalidade, exclusividade e com uma origem, com um lugar de nascença, é a ambição de qualquer responsável de marketing e o objectivo de qualquer gestor de comunicação e relações públicas.

O mundo do vinho, um mundo onde muito para além do vinho em si mesmo ainda se vendem emoções e sensações, é especialmente sensível ao apelo de um nome sonante, seja ele uma casta, uma região, um país, um enólogo ou um produtor. Ainda antes de se provar um vinho a maioria já está condicionada pelo nome da região, pelo nome do produtor, pelo nome do rótulo, pelo nome da casta que aparece em destaque ou por um outro nome qualquer que chame a atenção. Quanto mais se sabe sobre vinho, quanto maior for a sapiência e a dedicação aos mistérios do vinho, maior será a dependência de um bom nome e maior será o destaque emocional dado a coisas tão estranhas como a origem da madeira das barricas ou o nome da tanoaria que construiu as barricas.

No vinho, tal como em qualquer outra actividade económica, existe um par de nomes especialmente felizes, nomes consagrados pelo tempo, pelas circunstâncias ou por uma estratégia de promoção especialmente brilhante que fazem prosperar os produtores que beneficiam pelo seu aproveitamento. Veja-se, se atentarmos somente no figurino português, o caso dos nomes Alentejo ou Douro, nomes que por si só são já potenciadores de vendas, nomes que pelo simples facto de constarem num rótulo ou contra-rótulo já ajudam a vender graças à imagem positiva e de confiança que proporcionam e transmitem.

No entanto poucos se podem orgulhar de possuir um nome tão positivo e condicionador como os produtores de Champagne, o nome mais feliz e indiscutível do mundo do vinho, o nome que faz soltar suspiros de alegria entre consumidores do mundo inteiro e suspiros de inveja em produtores de vinhos espumantes no resto do mundo. Um nome que transmite uma imagem perfeita e entretanto consagrada de prestígio, de pujança económica, alegria, fortuna e comemoração. Apesar de a região produzir muitos milhões de garrafas por ano, apesar de alguns dos produtores mais prestigiados produzirem perto de vinte milhões de garrafas anuais, os vinhos da região de Champagne e os seus produtores continuam a gozar de uma imagem de prestígio, exclusividade e luxo que só pode ser justificada pela criação de um nome que a promoção tornou perfeita.

Os vinhos de Champagne abafam os demais vinhos espumantes do mundo. Seja qual for o produtor, seja qual for a região, seja qual for o país, os restantes vinhos espumantes terão de se debater numa segunda liga, no campeonato da segunda divisão, incapazes de se esgueirar até aos postos cimeiros. Portugal, infelizmente, nem tem condições para combater nesta segunda liga mantendo-se tolhido na discussão da terceira liga, das distritais, incapaz de apresentar um nome alternativo que pudesse ajudar a ganhar consistência.

Cientes desta contrariedade outros países criaram há muito um nome seu, um nome próprio para os vinhos espumantes, um nome que identificasse os seus vinhos por um nome com personalidade. Se os italianos ganharam asas com o nome Prosecco, os espanhóis cedo brilharam com a denominação Cava, nome que rapidamente ganhou prestígio suficiente para o colocar entre os substantivos mais reconhecíveis dentro do mundo do vinho internacional. Cava transformou-se num dos trunfos mais saborosos e substanciais de Espanha, um nome universal que todos ligam instintivamente aos vinhos espumantes de Espanha. Uma vantagem comercial que durante muitos anos aprendemos a admirar e a cobiçar.

Talvez surpreenda por isso saber que um número crescente de produtores de vinhos espumantes espanhóis, sobretudo da denominação catalã de Penedes, alma, coração e berço dos vinhos espumantes espanhóis com cerca de 95% da produção total de vinhos espumantes, esteja a debandar do nome Cava, preferindo esconder o nome do rótulo refugiando-se na designação genérica de vinho espumante espanhol. Curiosamente, mas não estranhamente, têm sido os melhores produtores, os de maior reputação, quem deseja abandonar o nome Cava, um nome aparentemente castrador porque ter ficado associado internacionalmente a espumantes baratos e simples, vinhos vendidos a preços insignificantes que raramente conseguem ultrapassar a fasquia dos 5€ por garrafa.

Produtores reféns de um nome pouco recomendável, vítimas de uma regulação demasiado permissiva e vítimas da companhia de alguns agentes menos cumpridores e menos conscienciosos que transformaram o preço numa arma de assalto, permitindo descontos cada vez mais substanciais à procura de uma ilusória quota de mercado. Por outras palavras, a destruição progressiva de um nome que começou por ser um sinal de sucesso… para se transformar lentamente no pesadelo que é tão característico dos países mediterrânicos, a destruição de conceitos e o aproveitamento desbragado por parte de alguns que não se importam da desgraça colectiva.

Por isso seria tão preocupante a hipotética criação de uma denominação de origem Portugal, um nome que englobasse o país como um todo. Se no início e no conceito a ideia seria bondosa, rapidamente a prática seria desastrosa, com a desventura suprema de o nome envolver todo o país, todas as regiões, todos os produtores…

Texto publicado originalmente no suplemento Fugas do jornal Público em 17 de Novembro de 2012

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