China, oportunidade ou perigo?

O país está claramente na moda. Não só é já a segunda maior potência económica do planeta, e aparentemente com vontade e capacidade para dentro de mais uma ou duas décadas se transformar na maior potência económica internacional, como é a economia que cresce mais rapidamente neste mundo global, a que desfruta das vantagens inerentes a dispor do maior mercado interno do planeta com um apetite voraz pelo consumo material. E é também uma sociedade que, apesar de se manter misteriosa e quase impenetrável para o modelo social ocidental, revela alguma tendência para a aculturação aos gostos e padrões culturais ocidentais, aparentemente ávida por apropriar-se e ajustar-se a alguns dos hábitos essenciais do ocidente.China - Rui Falcao

Sempre que surge o nome China logo os olhos da maioria dos empresários se enche de um pequeno mas perceptível brilho de esperança e ilusão, imaginando o país como um terreiro fértil para os seus produtos, como uma dádiva do céu que é obrigatório explorar para conquistar volume e facturação. Hoje todos querem estar presentes na China, todos querem penetrar no mercado local, todos querem uma fatia, mesmo que pequena, do imenso potencial de um país que enriquece ao quadruplo ou quíntuplo do crescimento das economias europeias e norte-americanas.

Se a premissa é válida para a maioria das actividades económicas, ela ganha uma expressão ainda maior quando se fala sobre o mercado do luxo, sobre os produtos tradicionais, sobre os fundamentos da cultura ocidental, sobre os marcos identitários de uma civilização. Ora o vinho situa-se de forma confortável em todos estas frentes, em todos estes campos, afirmando-se como uma das identidades essenciais do mundo ocidental, sobretudo da Europa, apelando aos valores fundamentais da nossa civilização, desde a ideia de sofisticação no seu consumo até às raízes da agricultura, desde o pilar religioso inerente ao vinho até ao conceito de secularidade no seu consumo.

Conhecendo-se a voracidade do mercado interno chinês por este mundo dos vinhos que lhes parece tão novo, sobretudo dos vinhos europeus e com os franceses a ocupar quase por inteiro as primeiras carruagens, as carruagens do prestígio, é plausível e inteligível que todos queiram apostar com o peito aberto neste mercado, revivendo o conceito já ultrapassado da árvore das patacas. A China irá transformar-se num dos maiores mercados mundiais do vinho num futuro muito próximo, e como tal, naturalmente, todos querem estar presentes, todos querem um quinhão dos despojos, todos ambicionam vender os seus vinhos para lá da grande muralha.

O que infelizmente poucos percebem é que a China, muito mais que uma promessa, será, infelizmente, uma das ameaças mais sérias para o mundo do vinho, pelo menos tal como hoje o conhecemos e concebemos. Mais que um manancial de fortunas e quotas de mercado a China será uma dor de cabeça para o mundo ocidental e para o equilíbrio de poderes instituído.

A ideia parece alarmista e desproporcionada? Talvez, mas a ideia que um país instruído como o Reino Unido, a placa giratória do vinho no mundo e um dos mais informados do planeta, viria a ser dominado por um país como a Austrália, de que nem se sabia que fazia vinho, destronando a França que anteriormente reinava com uma quota de mercado que superava os 50% também parecia alarmista e fantasiosa no início da década de oitenta. Tal como teria parecido delirante afiançar que o mundo do vinho passaria a ser segmentado em função do nome da casta em detrimento das regiões, que a maioria dos consumidores do mundo bebessem um Cabernet Sauvignon ou um Touriga Nacional em lugar de um Bordéus, de um Rioja ou de um Bairrada.

O que sim, é certo, é que quase sem se dar por isso a China é já o sexto maior produtor mundial de vinho e, ainda mais extraordinário, o quinto maior mercado de vinho, consumindo um pouco mais do triplo que o país por ora produz. Talvez por isso ainda seja relativamente raro encontrar vinhos chineses na Europa e Estados Unidos, tal a sofreguidão e sede reveladas pelo mercado local. Não se caia na tentação de acreditar que os vinhos chineses, coitados, serão simplesmente imbebíveis, coisas que só os locais conseguiriam beber. Porque a verdade é que nas duas últimas edições do Decanter World Wines Awards, um dos concursos de maior reputação internacional e onde alguns dos críticos e enólogos mais reconhecidos na praça examinam em prova cega vinhos do mundo inteiro, foram premiados dois vinhos chineses como o melhor vinho em prova das castas bordalesas acima e abicho das dez libras.

China - Rui FalcaoOu seja, os vinhos chineses já não são uns coitadinhos a tratar de forma paternalista e com algum humor, mas sim vinhos que conseguem introduzir-se entre os melhores do mundo em determinadas categorias, sempre nas variedades distas internacionais como o Cabernet Sauvignon, Merlot, Syrah, Chardonnay e Sauvignon Blanc. A área de vinha instalada e as parcerias internacionais com alguns dos grandes grupos europeus duplicam a cada ano, beneficiando da cumplicidade de um governo central que apoia e incentiva o consumo de vinho, afastando dessa forma a utilização de cereais em bebidas destiladas num país que tem dificuldade em alimentar uma população imensa.

Por isso não será difícil diagnosticar que em breve, muito em breve, a China se irá transformar não só no maior mercado de vinhos mundial… como também no maior produtor mundial E não será também difícil prognosticar que muito em breve a China passará de simples importador a exportador de vinhos, inundando alguns dos principais mercados com vinhos baratos, muito baratos, produzidos numa escala que não conseguimos compreender e ainda menos alcançar.

Quem se dedicou nestes últimos anos a produzir vinhos de variedades estrangeiras, das mesmas castas internacionais que os chineses adoptaram, deverá agora sentir alguma angústia…

 

Texto publicado originalmente no suplemento Fugas do jornal Público em 19 de Janeiro de 2013

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1 Comment
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    economia y negocios

    December 8, 2013 at 19:01

    He llegado a este blog por casualidad y me parece bastante interesante. Un saludo compañero.

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