Adelaide

Já aqui falei do Vallado, da Quinta do Vallado, produtor duriense de créditos firmados, parte capital da revolução enológica do Douro, da afirmação internacional dos vinhos do Douro. Falei do Vallado para elogiar a consistência, para aplaudir a qualidade, para celebrar a quantidade e disponibilidade do vinho, e, sobretudo, para louvar a tremenda relação qualidade/preço do vinho base, precisamente o Vallado. Um rótulo que, ano após ano, sempre oferece vinhos belíssimos vendidos a preços mais que justos. O paraíso de todos os consumidores.

Hoje volto ao Vallado para falar de um vinho novo, uma nova aposta, um tinto que se coloca no extremo oposto do espectro económico, o Adelaide. Um vinho caro e raro, um rótulo que será lançado apenas em anos excepcionais, um tinto elitista que, seguramente, será bicudo de encontrar. Um mundo de diferenças! Só a qualidade e o grau de exigência continuam a ser um preceito comum, como aliás de todos os vinhos da Quinta do Vallado.

Quinta do Vallado que nasceu para o vinho em 1987, aquando da venda da empresa Ferreira. Enfim, mais propriamente nasceu para o vinho com nome próprio em 1987, porque a quinta existe desde 1716 e sempre fez vinho. É pertença da família Ferreira desde 1821, desde os tempos de Dona Antónia Adelaide Ferreira, a ilustre Ferreirinha, e manteve-se na posse da família, hoje já na sexta geração, fora do acordo de venda da Ferreira. De repente, uma quinta que sempre fez Vinho do Porto para terceiros, como a quase totalidade das empresas da região, viu-se na contingência de mudar de vida, de fazer uma marca, de reestruturar vinhas, de racionalizar uma adega. Não foi fácil começar do zero. Mas, 20 anos passados, os resultados são animadores.

Começaram com uma produção de 80.000 garrafas, hoje já se aproximam do importante patamar psicológico das 500.000 garrafas. Nasceram com uma oferta inicial de 3 vinhos, hoje já conseguem proporcionar 12 vinhos por entre brancos, rosados, tintos e dois Porto. E agora, iniciaram uma segunda reestruturação com a compra de uma nova quinta de 30 hectares no Douro Superior, uma quinta virgem, sem vinha, terreno a desbravar com total liberdade. Na Quinta do Vallado está entretanto a nascer uma nova adega, uma adega moderna e funcional, bem como uma nova cave subterrânea de barricas, uma necessidade absoluta para o estágio dos vinhos tranquilos e dos novos Porto que têm ganas de vir a fazer.

O que é que o Adelaide tem a ver com isto? É o vinho ícone que pretende celebrar e personificar este espírito de excelência e de mudança. É também uma homenagem sentida da família a Dona Antónia Adelaide Ferreira, consubstanciada em Francisco Ferreira, João Ferreira Álvares Ribeiro e Francisco Olazabal, os responsáveis directos pela condução dos destinos da Quinta do Vallado. Mas fazer um vinho ícone não é coisa fácil nem imediata. Os últimos anos foram passados a explorar a vinha velha, os quase 8 hectares de vinha velha que resistem e subsistem na Quinta do Vallado. Foram anos de tentativas e erros, de ensaios e experiências, de alegrias e frustrações, na procura incessante do talhão ou talhões, que mais e melhores garantias pudessem oferecer. Tarefa dificultada pela vasta área da vinha velha e pelas mais de cinquenta castas que por lá descobriram.

Não foi instintivo nem intuitivo mas chegaram a bom porto. Os anos de ensaios e observação permitiram seleccionar um talhão com quase um hectare, uma vinha já centenária, virada a poente, numa exposição privilegiada sobre o Douro. Uma vinha densa, riscada à moda antiga, com 7.000 pés por hectare, uma vinha de castas misturadas, neste lote em particular com predominância de Tinta Amarela, Tinta Roriz, Tinta Barroca e Touriga Francesa. Mas, como entretanto já identificaram mais de uma dezena de castas, a influência de cada fica diluída dentro do espectro mais vasto do terroir. Vinhas velhas necessariamente pouco produtivas, com não mais de dois ou três cachos por pé. Ou seja, nada, quase-nada!

Afinal, deste hectare de vinha não vão sair mais de 1.800 garrafas, das quais só uma pequena parte se vai quedar em Portugal. Filantropicamente, e seguindo a tradição benemérita iniciada por Dona Antónia Adelaide Ferreira, duzentas das 1.800 garrafas produzidas vão ser oferecidas e leiloadas em hasta pública, com a receita a reverter para uma instituição duriense de apoio social. O Adelaide vai ser caro? Sim, muito, muito caro! Mas se atentar em todos os detalhes descritos, e, sobretudo, se souber que o Adelaide 2005 é de facto um vinho superior, então o investimento poderá fazer sentido. Com uma certeza pode contar – o Adelaide 2005é seguramente um vinho muito especial!

5 Comments
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    Artur Hermenegildo

    January 30, 2009 at 17:43

    Sinceramente, não vejo o interesse de se fazer um vinho que nenhum consumidor normal irá conseguir beber (e não estou a falar do preço, mas simples existência e disponibilidade do mesmo).

    Mas infelizmente em Portugal nos últimos anos este tipo de vinhos tem-se feito com alguma regularidade.

    Dá prestígio – nas revistas da especialidade. Mas para o consumidor é como se não existisse

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    Rui Falcão

    January 30, 2009 at 19:32

    Artur,

    Percebo perfeitamente o teu raciocínio, e não escondo que partilho da tua preocupação/lamento… mas é um cometimento mais ou menos inevitável por parte dos poucos produtores que têm um excelente património de vinha velha. Infelizmente, esse património costuma ser diminuto na quantidade que é realmente louvável. E, como saberás, não é um fenómeno meramente nacional, mas típico de quem precisa de construir uma imagem. Mas que pode ser frustrante, ai isso pode!

    Abraço,

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    João de Carvalho

    February 4, 2009 at 00:57

    Rui

    Apesar de toda a ”magia” e fascínio em que as vinhas velhas andam sempre envoltas, não deixo de reparar que todo esse louvável património, toda essa pequena quantidade, não foram suficientes para o cativar e nomear este vinho como um dos melhores do ano.

    Penso que não basta as vinhas serem velhas, toda a história por detrás de um vinho, o tempo que demorou, o empenho que nele depositaram, até mesmo um preço que serve para marcar uma tal de posição, se no momento final o vinho não nos comove ou emociona o suficiente.

    Cumprimentos

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    Rui Falcão

    February 4, 2009 at 09:19

    João,

    O vinho Adelaide, da Quinta do Vallado, não foi provado para o meu guia deste ano. Como tal, por estar ausente no livro, naturalmente não poderia ser eleito para qualquer tabela ou índice.
    Caso tivesse sido enviado para prova e constasse no livro, o que ocorreria? Faria parte desse tal grupo restrito de vinhos que mais me tocaram ao longo do ano? Pois não sei, isso seriam presunções e profecias a que não me posso remeter…

    Mas acompanho a sua opinião de que as vinhas velhas, só por serem velhas, não são necessariamente proveitosas. Se enquanto jovens as vinhas não foram interessantes, não será depois de velhas que passarão a ser estupendas. Claro que, por oferecerem fruta mais “concentrada”, por regra, na fase adulta serão mais interessantes que enquanto jovens. Mas a velhice, só por si, não é garantia inequívoca de qualidade.

    Abraço,

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    […] Mas comidas à parte, o jantar ficará na memória pelo que bebemos. Descobri – tardiamente, diga-se – o maravilhoso Adelaide da Quinta do Vallado. Vinhaço! Feito das uvas das vinhas mais velhas desta quinta no Douro. (Aos curiosos, o grande Rui Falcão, que sabe tudo dos vinhos portugueses, explica em detalhes o Adelaide neste link.) […]

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