Brancos velhos

Vivemos numa sociedade volúvel, caprichosa e inconstante, uma sociedade governada pelo culto do imediato, pelo efémero, pelo prazer da gratificação instantânea. Uma sociedade de visões curtas, sem perspectivas nem horizontes, uma sociedadBrancos velhose que prefere premiar emoções fortes e gostos padronizados face a matizes e gradações, a gostos desconhecidos e desusados. Será possível, para quem vive em tal ambiente, sentir desejo, apetência, vontade… e “pachorra” para beber vinhos velhos? Ou, assumindo de vez os tiques da sociedade, aceitamos o fado de consumir apenas vinhos jovens e irrequietos, vinhos imberbes e frenéticos, vinhos explosivos nos aromas, efusivos e comunicativos na alegria da fruta, vinhos voluntariosos… mas curtos na expressão?

Aparentemente, mas não surpreendentemente, os vinhos brancos velhos são uma espécie quase em vias de extinção. Reféns do imediatismo e da gratificação momentânea, perdemos contacto com vinhos extraordinários, vinhos de personalidade forte, com nuances e matizes que só o tempo pode conferir, com a complexidade e o rendilhado que o tempo de estágio se encarrega de acrescentar. Vinhos difíceis que exigem compreensão e curiosidade intelectual, vinhos ténues e delicados que obrigam a apreciações mais aprofundadas. Vinhos que exigem tempo, estudo, dedicação, vinhos que demandam atenção e concentração. Vinhos exigentes!

Sim, é certo que os vinhos velhos comportam riscos, inconvenientes, dúvidas e incertezas. As desilusões são muitas, provavelmente superiores às exultações, e, por inerência, a decepção e o desapontamento preenchem amiúde a alma. Mas é também inegável o regozijo de beber um vinho com idade, um vinho com história, um vinho que consiga envelhecer com nobreza e carácter.

Poucos acreditam, mas os vinhos brancos, portugueses incluídos, podem envelhecer com garbo e fidalguia. O caso mais notável, apesar de quase ignorado, é o dos Alvarinhos do Minho, vinhos com uma capacidade notável de progressão em garrafa. Afortunadamente tive ensejo de provar, por diversas vezes, vários destes vinhos com mais de década e meia, sempre com resultados surpreendentes. Vinhos ainda frescos e vibrantes, por vezes inacreditavelmente frutados, vinhos de viço e fulgor arrebatadores. Igualmente primorosos podem ser os brancos da casta Encruzado do Dão, espantosos na irrequietude, no descaramento e longevidade. Uma recente prova vertical, comemorativa do centenário da denominação Dão, permitiu comprovar e evidenciar a teoria.

Então, porque não arriscar? Porque não investir provando um momento de história? Receio de quê? É que o sentimento de incerteza também pode ser uma virtude…

12 Comments
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    Wine Enthusiast

    February 16, 2009 at 12:11

    Caro Rui Falcão,

    Concordo com a generalidade das suas ideias em relação a este assunto, mas gostaria de acrescentar que a “culpa” não é apenas dos consumidores, mas parte também e essencialmente da indústria vinícola que, como meio de se ver livre dos seus stocks, nos impõe cada vez mais, vinhos jovens e de consumo imediato. O consumidor é em parte vítima do “sistema”, podendo no entanto ser educado por quem tem o dever (permita-me incluí-lo) para que tenha uma sensibilidade acrescida no que toca aos vinhos de “guarda”. Nesse sentido este post é uma óptima contribuição !

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    Rui Falcão

    February 16, 2009 at 12:51

    Marco,

    Longe de mim querer assacar culpas ao “consumidor”. Infelizmente, o imediatismo, a procura da gratificação instantânea, é um problema transversal à sociedade, com um impacto genérico que ultrapassa em muito o universo do vinho. Mas enfim, os outros problemas não são para aqui chamados…

    Naquilo que mais nos toca, o vinho, esse sentimento do efémero traduz-se numa valorização excessiva dos gostos primários, da fruta fácil, da simplicidade. É inevitável. E não posso deixar de concordar consigo quando afirma que cabe aos jornalistas/críticos de vinho, aos “líderes de opinião”, a responsabilidade mor de alertar para estes temas. Pessoalmente, assumo esse papel com convicção, deixando os meus alertas, certos ou errados, em vários locais de intervenção (aqui, jornal Público, jornal OJE e Wine – A Essência do Vinho). Porque, muito mais que repetir lugares comuns ou limitar-se a publicar notas de prova (que são igualmente essenciais), o papel do jornalista de vinhos é doutrinar, alertar, criticar e opinar.

    Abraço,

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    Hugo Mendes

    February 16, 2009 at 15:31

    Rui:

    Á parte de outras importantes justificações, estou convencido de que, para que um vinho possa envelhecer de forma garbosa, especialmente um branco, tem de ser desenhado de inicio para essa finalidade. Logo, compreendo que a maioria dos produtores opte por desenhar vinhos que estejam prontos a beber logo cedo, o envelhecer bem torna-se… um bónus! Para mais, o mercado funciona bem com os vinhos jovens e não será fácil, do ponto de vista da gestão, justificar o aumento de custo e o incremento de risco, quando os stocks têm a rotatividade assegurada.
    Porque acredito na enorme potencialidade das castas brancas nacionais para este tipo de vinhos, só posso agradecer artigos como este, que despertem o apetite dos demais consumidores para estes verdadeiros néctares!
    Abraço
    Hugo Mendes

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    Hugo Pacheco

    February 16, 2009 at 16:26

    Os vinhos brancos velhos são um icone de descobrir, sensações, prazeres e dinamicas, que não encontramos nos vinhos jovens, que cada vez mais estão globalizados, querem-se vinhos frescos, aromáticos, fáceis na degustação. É verdade que poucos produtores imaginam um vinho branco, para ser desgustado após uns anos de descanso, para apurar, novos sentimentos enológicos, e o consumidor que coloca de parte, os que aparecem no mercado. Como tudo na vida, as supresas por vezes são históricas.Os vinhos velhos podem tambem ser grandes parceiros na mesa, para foie-gras, por exemplo, descobrindo novas harmonias, podendo ser uma solução para desmitificar tudo o que envolve este assunto. Ainda no sábado passado provei um vinho branco com sete anos do alentejo, que descobri na minha garrafeira, e fez muito bem o seu papel, ao acompanhar uma iguaria de excelência.Foi um exemplo que por vezes a espera é benéfica e mentora de muito prazer á mesa…

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    João de Carvalho

    February 17, 2009 at 13:44

    Rui , apenas por curiosidade e algo que não vi mencionar no texto.
    Vinho branco velho em Portugal equivale a quantos anos de guarda ?

    Será um Borgonha com 10 anos normal e um Dão considerado como vinho velho ? Que idade é suficiente no caso dos vinhos em Portugal para se considerar ”velho”.

    Cumprimentos

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    Rui Falcão

    February 17, 2009 at 14:18

    João,

    Não existem enunciações legais para definir conceitos tão subjectivos como vinho velho ou vinhas velhas. Nem sequer enunciações práticas ou referências empíricas que permitam definir balizas temporais.

    Basta ver que, com pouco mais de vinte anos, as vinhas passam a ser velhas em Bordéus… estimativa caricata para o Douro, onde abundam as vinhas velhas centenárias. E perspectiva jocosa para Maribor, Eslovénia, onde floresce a videira stara trta, que conta já com mais de quatrocentas vindimas.
    O inverso também é verdadeiro. Vinhos que reconhecemos e entendemos como velhos, poderão ser aceites com um sorriso trocista nas regiões da Borgonha, Mosel ou Rheingau. É natural que assim seja. E é também irrelevante que assim seja.

    Abraço,

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    João de Carvalho

    February 17, 2009 at 14:51

    Concordo, mas focalizando a questão apenas em Portugal e aos brancos cá produzidos, e tendo em conta o potencial de envelhecimento a eles associado, a partir de quantos anos podemos dizer que um branco é um branco ”velho” ?

    Eu sei que a coisa pode ser diferente consoante a casta, a zona, o produtor, acidez, estrutura, os métodos enológicos aplicados… um Monte Velho envelhece de maneira diferente que um Ameal Escolha ou um Soalheiro, ou até mesmo de um Roques Encruzado.

    Mas fazendo um pequeno esforço, podemos dizer que com mais de 5 anos um branco em Portugal já se fica considerado como velho ou será de meia idade ?

    Será o conceito de vinho velho, utilizado para definir vinhos que não são novos nem estão ”mortos”, onde se confirma toda uma série de aromas e características que os permitem classificar como tal ?

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    Rui Falcão

    February 17, 2009 at 15:11

    João,

    Como tive o cuidado de prudentemente enunciar anteriormente, a definição de vinho velho é impraticável, subjectiva e não mensurável. Como tal, não me quero aventurar por caminhos dúbios e potencialmente demagógicos.

    Mas, acima de tudo, querer quantificar a idade precisa em que um vinho passa a poder ser considerado velho, parece-me irrelevante para a substância do texto e para o princípio que quis expressar com este desabafo. Não é a data que é relevante, mas sim o princípio. E, pelo que conheço das suas intervenções no tema, penso que teremos pontos de comunhão.

    Abraço,

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    Rui Sá

    February 20, 2009 at 01:50

    Mas são só o alvarinho e o encruzado que envelhecem bem em Portugal? Então e, por exemplo, o arinto de Bucelas?

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    Rui Falcão

    February 20, 2009 at 08:14

    Rui,

    Não, claro que não, seguramente não serão só os brancos das castas Alvarinho e Encruzado a envelhecer bem. Outras castas portuguesas existem que cumprem o papel com igual convicção e galhardia como, por exemplo, a Bical. Da mesma forma, nem todos os vinhos Alvarinho e Encruzado, pelo simples facto de incluírem as duas castas, poderão oferecer condições para envelhecer com nobreza. As duas castas foram mencionadas a título de exemplo prático, como sustentação do princípio defendido no texto.

    Mas, deixe-me tentar responder em concreto à sua pergunta. Pessoalmente, e reporto-me apenas à minha experiência pessoal, não conheço suficientes exemplos de Arintos velhos para poder asseverar da sua longevidade. Será certamente ignorância minha, uma lacuna a aperfeiçoar, mas raramente tenho tido oportunidade de provar exemplos de Arinto extreme com mais de doze anos. Infelizmente, dos poucos casos que conheço com essa idade (e por serem poucos exemplos a sua relevância estatística é diminuta), não tenho tido resultados satisfatórios. Por não estar seguro da sua longevidade, ainda que por eventual desconhecimento meu, não a poderia identificar isoladamente.

    Abraço,

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    Paulo Conde

    February 20, 2009 at 19:06

    Caro Rui,

    É só para enviar um abraço, e agradecer o empenho e dedicação no curso de iniciação à prova de vinhos, que serviu para o meu enriquecimento no tema dos vinhos. Apesar de nem sempre conseguir descobrir os aromas referidos, vou prometer melhor nesse tema!!!!!

    Desta forma, quando tiver uma newsletter, sobre eventos, provas e Etc., gostaria de a receber.

    Um abraço

    Paulo Conde

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    Rui Falcão

    February 21, 2009 at 00:26

    Paulo,

    Agradeço as palavras simpáticas. Na verdade, o sucesso de qualquer curso depende, não somente do empenho de quem o conduz, como do empenho, vontade e afinidade de quem assiste. Com um grupo tão interessado e interessante, só poderia mesmo correr bem!
    Foi um verdadeiro prazer.

    Abraço,

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