Alvarinho

Por vezes sinto-me invadido por sentimentos espúrios de desânimo e derrota. Por vezes sinto-me desalentado, quebrado e intimidado, descorçoado peraAlvarinhonte a passividade de tantos no mundo do vinho, esmorecido pela falta de visão colectiva, estarrecido perante os pequenos egocentrismos.

Aparentemente, a história pouco ou nada nos ensinou. Continuamos enclausurados, presos a discussões internas, a lutas de protagonismo, a disputas paroquiais desastrosas. Que percamos meses a discutir entre regiões, sem perder um minuto a pensar como conquistar um universo de adolescentes que calçam ténis Nike, comem hambúrgueres McDonald’s e bebem Coca-Cola, revela uma inadmissível falta de visão. Que percamos anos a dissertar sobre a moral, e factual, impossibilidade de entregar o exclusivo de uma casta a uma região, sem perder um segundo a tentar promover esse nome fora de fronteiras, revela uma intolerável falta de visão.

Perdemos anos de trabalho, horas de discussões, toneladas de argumentos inviáveis, para defender o indefensável. Perdemos oportunidades para afirmar uma região, uma casta, um conceito, um estilo de vinho único. Pretender defender a exclusividade do nome Alvarinho para uma sub-região do Vinho Verde, a sub-região de Monção, cerceando as restantes denominações de origem portuguesas, bem como as restantes sub-regiões do Vinho Verde, a uma praxis escondida, à ilegalidade forçada do nome Alvarinho, traduz uma falta de visão absolutamente intolerável.

Como se o nome de uma casta, mesmo que autóctone, pudesse ser propriedade de uma só região. Como se pudesse ser moralmente defensável o uso privativo e absoluto de uma casta. Como se fosse razoável pretender garantir o usufruto privado sobre o nome de uma casta que, imagine-se, é transfronteiriça.

Depois, inevitavelmente, surgem as caricaturas. Teriam graça se o assunto não fosse tão sério. Assim, na realidade, tal como as coisas são, infelizmente o humor é profundamente negro. Como foi possível intentar embargar o timbre do nome Alvarinho em Ponte de Lima, ao mesmo tempo que a Austrália e Califórnia apresentam os seus primeiros Albariños ao mundo… envoltos em pompa e circunstância!

Provavelmente, se a triste saga da casta Verdelho se repetir, serão os Australianos, para além dos galegos, a solenizar a casta no mundo, a afirmá-la na elite internacional dos vinhos brancos. Isto, claro, ao mesmo tempo que nos entretemos a desafiar a lógica em guerras contraproducentes, com proibições e ciúmes mútuos, com pequenos despiques escusados.

Sim, eu sei, o tom é de profunda desilusão, numa visão tremendista. Mas desacomoda-me que, mais uma vez, estejamos a perder o comboio da história… por escolha própria. Desgosta -me que, mais uma vez, sejam terceiros a anunciar ao mundo as virtudes de uma casta portuguesa/galaica.

Estaremos eternamente condenados a tal fado?

18 Comments
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    Hugo Mendes

    February 21, 2009 at 11:42

    Rui:
    É uma pena que atitudes dessas ainda continuem a proliferar na nossa sociedade. Não consigo entender que vantagens trarão, mais que permitir (só nas suas mentes!) que tais agentes permaneçam acomodados por mais alguns tempos. Faz-me lembrar a história dos impostos para isqueiros no tempo do estado novo e outras barbaridades mentais que somos exímios em conseguir! Infelizmente, a análise histórica não nos dá muita esperança na mudança de atitude!
    Contudo, e também por coerência com os meus princípios, não posso deixar de acreditar que a decisão sobre quando daremos a inflexão está interinamente nas nossas mãos e nas gerações por nós educadas.
    Peço emprestadas as palavras que ouvi aqui há tempos da cantora brasileira Ana Caronina (um texto intitulado “Só de sacanagem”):
    “… Sei que não dá para mudar o começo, mas se a gente quiser vai dar para mudar o final!”
    Abraço
    Hugo

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    Tovi

    February 21, 2009 at 12:24

    Pois é meu caro… Há muito que andamos a perder o comboio da história… Continuamos a ser um País de “Velhos do Restelo”.

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    Quental

    February 21, 2009 at 18:00

    E o que ainda me entristece mais, é a casta vir ser a ser internacionalizada com a denominação Albariño.

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    João de Carvalho

    February 22, 2009 at 03:19

    O meu sentimento será ainda mais triste, quando a Touriga que é Nacional, deixar de o ser.

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    João Paulo Alsina

    February 23, 2009 at 17:20

    Caríssimo Rui Falcão,

    Meus parabéns pelo blog, cuja existência vim a descobrir ontem. Desejo todo o sucesso ao seu empreendimento na blogosfera.

    Abraço cordial,

    João Paulo Alsina

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    Rui Falcão

    February 25, 2009 at 17:59

    Hugo,

    Defender o indefensável revela ser pura perda de tempo e energia. Pretender guardar para si o exclusivo de uma casta, a patente de uma variedade, é um anacronismo despropositado. Mais a mais, quando se trata de uma casta transfronteiriça, passível de ser difundida e valorizada por um dos países mais competitivos do mundo.

    Abraço,

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    Rui Falcão

    February 25, 2009 at 18:09

    Quental,

    Não sei, confesso que, pessoalmente, não me melindra que a casta Alvarinho acabe por ser conhecida internacionalmente sob a designação Albariño. Parece-me inevitável e natural. Pretender competir com Espanha nos mercados internacionais não é tarefa fácil. Em todas as circunstâncias, mas, sobretudo, quando a “disputa” é desigual, já que a denominação Rias Baixas é infindavelmente superior, em área de vinha, à sub-região de Monção, a única anteriormente autorizada a exibir o nome Alvarinho. Não me parece que tal se apresente como um inconveniente inultrapassável, ou sequer problemático, para os vinhos portugueses.
    Também não me incomoda que a Tinta Roriz/Aragonês seja conhecida internacionalmente pela sinonímia espanhola, sob o nome Tempranillo

    Abraço,

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    Rui Falcão

    February 25, 2009 at 18:18

    João,

    Abertamente, não consigo perceber qualquer dano ou perigo para a viticultura portuguesa na internacionalização das castas nacionais. Mais, é um processo fatal, e inevitável a curto/médio prazo.
    Pois então, se achamos correcto plantar castas estrangeiras como a Alicante Bouschet, Syrah, Cabernet Sauvignon, Sauvignon Blanc, Sangiovese, etc, em solo nacional, como poderíamos nós querer embargar a internacionalização das castas lusitanas? O processo é inevitável, queiramos… ou não! Não existe tão-pouco forma legal, ou sequer moral, de impedir a disseminação de castas pelo mundo. Gostemos, ou não, algumas castas portuguesas estão destinadas a ter sucesso internacional…

    Abraço,

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    Rui Falcão

    February 25, 2009 at 18:19

    João Paulo Alsina,

    Muito obrigado pelas palavras tão amáveis. É bom rever os amigos.

    Abraço,

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    Marco Carvalho

    February 26, 2009 at 11:12

    É de todo impossível manter a exclusividade das nossas castas, é como o Rui Falcão apontou, um processo inevitável. Resta-nos no entanto, mesmo que plantadas noutros cantos do mundo, afirmá-las como portuguesas, não na utilização restricta pelos produtores portugueses, mas sobretudo no que diz respeito à sua ligação sentimental com o nosso país. Temos que mostrar e divulgar ao mundo que elas são nossas, e que o facto de serem utilizadas noutros países pode até trazer-nos benefícios ao nível da notoriedade. Passarão assim a ser mais conhecidas, desde que os portugueses possam afirmar que são nossas, e que aqui é o território natural das mesmas.
    Se assim é a nível internacional, torna-se aínda mais ridícula a situação vivida com a casta Alvarinho na Região dos Vinhos Verdes. Só os interesses instalados, de meia dúzia de produtores (com poder), pode explicar tamanha aberração. Parabens pelo artigo.

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    Rui Falcão

    February 26, 2009 at 13:39

    Marco,

    Embora perceba a bondade da sua argumentação, muito respeitosamente, não me revejo nela. Afirmar que o Portugal é o “território natural” das castas portuguesas é um raciocínio delicado, eventualmente mesmo perigoso, que vai contra a lógica histórica do vinho. Repare, nesse caso, de uma só penada, desvalorizamos todos os países do novo mundo, já que todas as castas vínicas são de origem europeia. Afirmar que a casta Syrah, para citar um exemplo concreto e facilmente inteligível, só tem expressão autêntica nas Cotes du Rhône, negando as múltiplas vivacidades australianas, californianas, etc, é uma falácia inquestionável.

    Hoje poucos associam Cabernet Sauvignon com Bordéus, ou sequer França. O mesmo com as castas Chardonnay, Merlot ou Syrah. Quantos associam a Carmenére, Malbec ou Tannat com França? E, assumidamente em tom provocatório, quantos associam internacionalmente a casta Verdelho a Portugal? Ninguém! Mas muitos já a reconhecem como uma variedade interessante, presente em muitos rótulos australianos (escrita com a sinonímia portuguesa)… Será isto, inevitavelmente, um desastre?
    Não necessariamente, porque hoje será muito mais fácil vender um Verdelho nacional nos mercados internacionais… graças ao extraordinário trabalho australiano!

    Abraço,

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    Hugo Pacheco

    February 26, 2009 at 16:04

    Não sou contra a internacionalização das castas ditas portuguesas, pois muitas destas nascem de colónes de castas estrangeiras, acho mal sim a abertura de horizontes por parte de pessoas responsáveis pelo vinho em Portugal, não tendo outra visão, não tendo humildade, não tendo prepectivas de futuro, não tendo ideias, não tendo formas de levar o nome de Portugal mais além, isso sim é preocupante, num país tão pequeno e pobre, onde existe muita gente nos sitios errados. Se somos os primeiros a utilizar e a vandelizar castas estrangeiras, que por vezes dão origem a vinhos globalizados, feios, sem personalidade da região, do país, pensando sim nas vendas, e não no produto final, não evoluindo,não encontrar uma personalidade de diferença, de produto. O alvarinho é uma casta cheia de segredos, de aromas de sensações que não sendo só na zona norte de Portugal a fazer bons vinhos, pode ser sim uma grande supresa em outras regiões portuguesas e estrangeiras.Se for para produzir vinhos de qualidade na Califórnia, ou no Chile, ou na Nova Zelândia, porque não? Talvez estas pessoas devessem deixar preconceitos históricos para trás, e fizessem alguma coisa pelo vinho em portugal, que precisa de outras prespectivas, mais dinâmicas, modernas e saudáveis. Mas em Portugal, nós só gostamos de falar em novelas e de Jet 7, não naquilo que cada um podia fazer para melhorar o estado das coisas internas. Um lugar que está a afundar dia para dia, e o vinho não foge a estas novelas…Abraço

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    luísa Crespo

    February 26, 2009 at 16:31

    Disseram-me há pouco tempo pessoas da zona de Braga que o nome Alvarinho poderia vir de “Alva do Reno”, que teria sido mal pronunciada e teria acabado como alvarinho. Já ouviu alguma coisa semelhante? Parabéns por mais este espaço de qualidade

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    Rui Falcão

    February 26, 2009 at 16:45

    Luísa,

    O alegado parentesco entre as castas Riesling e Alvarinho faz parte dos grandes mitos nacionais… e galegos. A história seria bonita e romântica. No entanto, as provas científicas não corroboram a mitologia. Os testes de ADN não mostram qualquer nível de parentesco, mesmo que remoto, entre as duas castas.

    Abraço,

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    João de Carvalho

    February 26, 2009 at 22:41

    Rui, o que me custa não é a internacionalização das ”nossas” castas, como bem dizes é o tal processo inevitável a que não se pode fugir.

    Quando tanto se apregoa que é na diferença que está a mais valia dos nossos vinhos, falam falam falam… e depois é ver outros países a vir buscar as ditas cujas e a darem o merecido destaque internacional com a força suficiente para se lançarem no mercado, sendo exemplo de diferença.
    E depois vai o Tuga pequenino colar-se ao sucesso dos outros, como que em bicos dos pés a dizer, olhem que nós também cá temos disso…

    Em vez de tanta festinha nacional se alguns perdessem tempo em promover as castas a nível internacional, juntamente com os vinhos mais representativos, Portugal tinha muito mais a ganhar.
    Mas talvez o que ainda impere seja a vontade do sucesso individual em vez do desejo do sucesso colectivo.

    Basta ir aqui ao lado e ver as diferenças.

    Abraço

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    jms

    March 4, 2009 at 08:45

    Somos um país antigo com crenças e tradições; à falta de melhor, poderemos agarrar-nos a mitologias, lendas, coisas do passado; se calhar ainda há muita gente que vive noutros tempos, tempos de “cantinho à beira-mar plantado”.
    Assim, se olharmos apenas para o outro lado da estrada, do rio, para a outra encosta e acharmos que esse é o nosso mundo, todo o mundo, bastará aplicar o antigo aforismo da duquesa e da rainha (mais vale…).
    Mesmo quem apresenta uma embalagem mais moderna, evoluída e desempoeirada e que já sabe que vivemos em república, prefere-a com bananas.

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    Manuel Pinheiro

    March 14, 2009 at 21:14

    Rui,

    Embora tenha lido o seu artigo com muito gosto, se V. perder alguns minutos a pesquisar verá que muita coisa está a mudar no Alvarinho e nas suas regras de produção…

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    Ana Ocampo

    July 22, 2009 at 14:28

    Primeiro quero me desculpar por escribir en galego,pero o meu portugues e moi pobre.
    Rui acabo de descubri o teu blog e gosto moitisimo del e animote a que sigas ensalzando e divulgando o valor do vinho portugues, neste caso o Alvarinho do que eu gosto especialmente a igual que do Alvariño.
    Levo 7 anos vivindo fora da España, e atopo que o vinho portugues non se coñece e è moi dificil de conseguir en calquer enacoteca na Europa; è unha verdadeira pena, porque eu recoñeco que o viño portuguse non ten nada que envidiar o español, italiano e nada que dicir do frances!!
    un saudo moi forte dende a Irlanda

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