Rui Falcao - vinho na restauração

Vinho, o parente pobre da restauração

Gosto de restaurantes que proporcionam cartas de vinho robustas e exaustivas, cartas dilatadas que permitam escolhas originais, cartas que permitam liberdade para escolher vinhos de todas as proveniências e colheitas, de todos os estilos e feitios, dos mais simples aos mais rebuscados, dos mais consensuais aos mais excêntricos, dos mais extrovertidos aos mais reservados.Rui Falcao - vinho na restauracao

Admiro e valorizo restaurantes cujas cartas de vinho demonstrem diversidade e originalidade na oferta, que permitam uma selecção alargada e cosmopolita. Gosto de cartas de vinho que sejam o resultado de uma escolha atenta e onde se possam encontrar raridades, onde se sinta a excitação da caçada a vinhos pouco comuns ou a colheitas antigas de vinhos inesperados. Fico feliz quando descubro cartas de vinho coerentes e personalizadas pelo sommelier, selecções adequadas que proporcionem harmonizações perfeitas com a cozinha do restaurante, cartas de vinhos que demonstrem respeito pelo vinho permitindo um par de escolhas racionais a par com escolhas de matriz mais passional.

Naturalmente também tenho consciência que o meu entusiasmo e a minha paixão pelo vinho não é, nem pode ser, partilhado por uma imensa maioria. Sei também que os restaurantes com capacidade para oferecer uma garrafeira aprimorada são escassos face aos investimentos necessários e ao retorno financeiro nem sempre mensurável. É a vida! Porém, e este é um erro comum, as cartas de vinhos não têm forçosamente de ser enciclopédicas para conseguirem ser eficazes e criativas.

A um restaurante exige-se simplesmente que a sua carta de vinhos seja legível e suficientemente diversificada na oferta e apropriada à cozinha proposta. Exige-se a indicação de datas de colheita, exige-se que a marcação de preços seja sensata, que a arrumação seja sensata (por regiões, estilos ou outro critério) e que a leitura seja clara. Condições simples e de fácil entendimento mas, infelizmente, ainda tão mal compreendidas pela restauração. Mas é igualmente essencial que a carta de vinhos ofereça um conjunto alargado de vinhos acessíveis democratizando o acesso ao vinho.

Ora é precisamente nesse rol de vinhos acessíveis que a maioria das cartas de vinho peca… por omissão. Quase sempre por falta de imaginação misturado com ignorância, algum laxismo e falta de vontade. Muitos restaurantes chegam mesmo a abdicar desta responsabilidade entregando a responsabilidade da elaboração da carta a terceiros ou, ainda pior, delegando a responsabilidade em distribuidores. Uma fatalidade que implica que a maioria das cartas de vinho sejam pouco imaginativas, repetitivas e sensaboronas.

Acabamos por descobrir os mesmos vinhos espalhados por centenas de restaurantes distribuídos por todo o país, acabamos por encontrar as mesmas propostas no litoral e interior, em restaurantes populares, regionais ou eruditos. Por vezes valorizamos demasiado as cartas de vinhos pela dimensão, pela oferta de vinhos troféu, pela presença de uma ou outra colheita antiga mas esquecemo-nos com frequência que estes vinhos raramente são pedidos. São os vinhos mais acessíveis, a sequência de vinhos mais baratos que melhor definem o apreço pelo vinho por parte do restaurante, que melhor Rui Falcao - vinho na restauracaoevidenciam o respeito para com o cliente.

A crise financeira encarregou-se de agravar o distanciamento entre as sugestões das cartas de vinho e a apetência e disponibilidade dos clientes. Raros são aqueles que se decidem pelos vinhos mais caros, frequentemente cobrados a preços indecorosos. Poucos são aqueles que se deixam seduzir pelos vinhos da gama média/alta, por regra tabelados a preços imorais. E no entanto é possível, e até relativamente simples, apresentar cartas de vinhos económicos com referências originais a vinhos menos badalados, com frequência de regiões alternativas.

Ao contrário daquilo que é aceite de forma mais ou menos universal os bons vinhos, por vezes mesmo os vinhos fascinantes, não são incompatíveis com preços sensatos. Para apresentar uma carta de vinhos inteligente basta imaginação e empenho, fazer os trabalhos de casa, escolher com critério, procurar por entre a multidão de vinhos acessíveis e encantadores que enriquecem o mercado.

Se mesmo a restauração erudita sentiu urgência na adaptação aos tempos económicos modernos oferecendo menus alternativos, arejados, claros, irreverentes e acessíveis… também as cartas de vinho necessitam de terapia idêntica. Reclamam a procura de excelência assente em preços comedidos, a oferta de emoções amparadas na qualidade e irreverência. Uma lista que prometa originalidade, inovação e racionalidade.

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1 Comment
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    renato hazan

    March 29, 2014 at 13:15

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