Apologia da meia garrafa
Como escolher o vinho quando na mesma mesa alguém decidiu pedir ostras como prato de entrada enquanto outros escolheram pratos tão discordantes como foie gras e rins salteados? Como poderá decidir-se por um único vinho para acompanhar a refeição quando o menu proposto se reveza entre uma entrada suave e delicada e um prato principal robusto que obrigam a vinhos distintos?
Mesmo que partilhando a mesa com outro comensal a verdade é que duas garrafas, uma para a entrada e outra para o prato principal, serão certamente excessivas… enquanto a opção de vinho a copo, teoricamente a mais acertada, está frequentemente ausente ou, com uma assiduidade desagradável, é extremamente limitada na escolha e diversidade.
A solução ideal para obviar a tais problemas passa pela utilização e divulgação da meia garrafa, formato pouco utilizado e que infelizmente poucos consideram, tanto no lado da produção como no lado do consumidor. Uma aposta racional, sobretudo no momento actual de desalento económico epidémico, uma aposta lógica que oferece versatilidade e qualidade a um preço muito mais acessível para a maioria dos consumidores.
As meias garrafas possibilitam a experimentação de novos vinhos a custos muito mais acessíveis aliviando ainda o eventual drama social das taxas alcoólicas elevadas que poderiam inibir a condução automóvel, ajudando a atenuar aquela que é uma das maiores dificuldades sentidas pela restauração. Resolve ainda o problema dos casais ou grupos de amigos em que só um bebe e para os quais uma garrafa seria sempre excessiva.
Infelizmente, e tal como a maioria já deverá ter constatado por experiência própria, a lista de oferta de vinhos em meias garrafas na restauração, e fora dela, é francamente insignificante ou mesmo inexistente em muitos restaurantes. As razões para tal facto são diversas e complexas e na verdade a responsabilidade não pode ser inteiramente assacada à restauração. A escolha é limitada e a produção não gosta do formato, por regra, escusando-se a investir neste tipo de garrafas, no formato 375 mililitros.
As razões são múltiplas e entre elas encontra-se o famoso síndrome da “pescadinha de rabo na boca”. Poucos produtores arriscam investir num formato pouco requisitado por consumidores e restauração… enquanto consumidores e restauração não abraçam o formato pela escassez extrema da oferta e pela pouca divulgação do tamanho. E, se formos consequentes, há que entender o lado da produção. Como o formato é pouco requisitado as vidreiras produzem poucas destas garrafas elevando o preço individual de cada meia garrafa, do simples vasilhame, a valores estratosféricos, ao mesmo tempo que as mesmas vidreiras oferecem uma disponibilidade muito limitada de exemplares e de formatos de garrafas, elevando o custo individual de cada garrafa para valores financeiramente menos rentáveis.
Mas as dificuldades e os custos de produção agravam-se ainda com as linhas de enchimento, muitas vezes incompatíveis com este pequeno formato, o que obriga o vinho a ser engarrafado por terceiros ou com custos acrescidos ao enchimento normal. A estas dificuldades há ainda que acrescentar o custo de desenhar e produzir rótulos diferenciados, adaptados à menor dimensão da garrafa. A soma destes custos implica que as meias garrafas apresentem um custo por litro que é cerca de 20% superior ao custo da garrafa tradicional, obrigando a que a restauração cobre valores mais altos pelas meias garrafas… ou que se sujeite a cobrar margens mais ligeiras, circunstância pouco apreciada pela restauração.
Mas os custos são apenas uma das razões a justificar a má vontade da produção face à utilização de meias garrafas. O envelhecimento precoce é a outra grande inquietação sobre o tamanho meia garrafa. Sabe-se por experiência empírica que este formato não permite uma guarda tão longa e previsível como o proporcionado pela garrafa tradicional ou pela garrafa magnum, o que demover alguns produtores de pretender engarrafar os seus melhores vinhos num formato que não assegura as mesmas condições de longevidade da garrafa tradicional.
Uma preocupação natural mas que será porventura excessiva. Num mundo em que tudo é efémero e onde a juventude é valorizada até aos limites do razoável quantas garrafas são hoje guardadas durante os anos suficientes para se poder perceber uma diferença assinalável de evolução? E quantos restaurantes estarão hoje dispostos a investir na construção de uma lista de vinhos ampla e com exemplares envelhecidos, sabendo-se que a restauração trabalha cada vez mais quase sem stocks obrigando a rotações rápidas e a volumes insignificantes?
Infelizmente, e enquanto a realidade económica e a racionalidade aconselham ao uso e proliferação da meia garrafa, continuamos a desdenhar o formato e a olhar para ele com alguma sobranceria, como se a meia garrafa fosse um sinal de pobreza ou de tacanhez, como se a meia garrafa representasse um sinal de capitulação. O mundo do vinho continua preso a demasiados dogmas!
Texto publicado originalmente no suplemento Fugas do jornal Público em 6 de Abril de 2013
fernando carvalho
August 15, 2013 at 04:08ola rui,
partilho da mesma opinião sobre as garrafas de 375 mililitros.
os produtores deviam apostar mais neste formato. inclusive tinha uma ideia comercial de abrir um estabelecimento com cozinha de autor em que cada prato seria acompanhado por uma garrafinha de 0,375 l de qualidade. o nome da casa seria ” 37,5 cl “.
cumprimentos e parabens pelo trabalho