Uma crise de vocações?

Caso raro no mundo, no Douro convivem lado a lado duas denominações de origem, Vinho do Porto e Douro, partilhando as mesmas vinhas e o mesmo espaço físico. Dois estilos radicalmente distintos que convivem nas mesmas adegas, nas mesmas casas, unindo dois universos que concorrentes e potencialmente discordantes entre si. Dois mundos distintos que, apesar de manterem alguns pontos óbvios de comunhão, nem sempre são fáceis de conciliar ou harmonizar, nem sempre são facilmente compatíveis, nem sempre são conciliáveis.

Os riscos são relevantes, particularmente evidentes na carência de uvas de qualidade em quantidade suficiente para alimentar dois vinhos únicos, exigentes na excelência da matéria-prima. Mas o maior risco para a região, o mais pernicioso para o futuro do Vinho do Porto, é a falta de novas vocações para a causa do Vinho do Porto, a falta de interesse, a apatia generalizada dos novos produtores pelo Vinho do Porto, a falta de vocação de enólogos, consagrados e emergentes, para se dedicarem ao Vinho do Porto.

As razões são facilmente compreensíveis e até expectáveis. Afinal, têm sido os vinhos do Douro a agitar as marés, a trazer emoção e novos caminhos ao Douro. Têm sido os vinhos o Douro a fazer-se falar, a aparecer nas revistas, a apresentar-se como a nova coqueluche da imprensa nacional e internacional. E o Vinho do Porto, acompanhando a tendência global para uma sociedade light que penalizam o consumo de vinhos fortificados, vive um momento de dormência, de latência, pouco propício aos holofotes mediáticos.

A tendência é compreensível… mas é profundamente errada! Porque a vida não se vive num só dia, porque as modas são efémeras, porque o Douro não pode sobreviver sem o Vinho do Porto. Mas também porque o Vinho do Porto, a par do Vinho da Madeira, é o único vinho português verdadeiramente internacional, a grande porta de entrada nos mercados externos, a chave que serviu para a internacionalização do Douro. Desbaratar três séculos de uma história brilhante é um pecado que simplesmente não podemos cometer. Desprezar um património ímpar, esquecer práticas, conhecimentos e tradições, desperdiçar uma geração inteira, é um erro que não podemos cometer. O futuro não se constrói ignorando o passado.

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2 Comments
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    Rosa

    January 13, 2012 at 21:37

    Penso que uma das coisas não é a falta de vocações mas sim a dificuldade em entrar neste mundo. Poderá dizer-se então que as pessoas não se esforçam mas eu penso que se tornou num grupo restrito que não facilita de nenhum modo a entrada a novas pessoas. Isto porque existem muitas pessoas nas faculdades a trabalhar na área de enologia…

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    Rui Falcão

    January 18, 2012 at 10:56

    Cara Rosa, seguramente que a falta de novas vocações não é o único problema de que padece o Vinho do Porto. Concordo em absoluto que não é fácil, nada fácil, entrar no mundo muito fechado do Vinho do Porto e que os problemas se estendem ao conservadorismo extremo que fecha as portas a novos participantes. Não é fácil contornar a lei do terço que na prática quase impossibilita a entrada de novos actores em cena que não disponham de stocks já herdados. Não é fácil contornar e penetrar nos canais de distribuição que hoje se dedicam quase exclusivamente a um grupo reduzido de grupos que podem jogar com preços impossíveis para quem não tem escala.
    Mas também faz falta quem queira mudar o status quo e que queira mesmo investir no Vinho do Porto, para além dos vinhos do Douro.
     

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