Rui Falcao

Copiar ou ser original?

Sejamos directos nas considerações. Por que razão alguém em Inglaterra, Alemanha ou Brasil se daria ao trabalho de comprar um Syrah do Douro, um Merlot da Bairrada, um Chardonnay do Tejo ou um Cabernet Sauvignon do Algarve? Por que razão um canadiano, suíço ou norueguês escolheria um vinho português de uma casta internacional quando os vinhos portugueses brilham precisamente pela Rui Falcãooriginalidade e carácter das variedades portuguesas… e os consumidores desses países têm acesso a vinhos de todo o mundo, a maioria dos quais é elaborada com alguma destas variedades internacionais?

Quando uma garrafeira ou supermercado belga exibe prateleiras repletas de vinhos de todos os países do mundo, a quase totalidade dos quais elaborados com uma das cinco grandes castas internacionais, Sauvignon Blanc, Chardonnay, Syrah, Merlot ou Cabernet Sauvignon, o que poderá conduzir alguém à prateleira onde estão expostos os vinhos portugueses? Quando um consumidor irlandês entra num supermercado e vê centenas de vinhos de países do novo mundo, filas a perder de vista recheadas de vinhos da Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Chile, Argentina ou Califórnia produzidos com uma destas cinco castas internacionais o que o levará a escolher um vinho português?

Quando um dinamarquês olha para a brochura de um supermercado e descobre dezenas de rótulos de vinhos de países clássicos e emergentes, vinhos de países como a Roménia, Bulgária, Croácia, Brasil ou China, onde mais uma vez constam as mesmas cinco ou seis castas internacionais, o que o poderá levar a experimentar um vinho português… para além do eventual factor preço que nunca foi uma boa forma de promoção de um país?

A resposta mais provável é a lista de castas única dos vinhos portugueses, um perfil e estilo diferenciados da mediania internacional, a originalidade que caracteriza a maioria dos vinhos portugueses face à concorrência internacional. Só mesmo a singularidade, a diferença e a autenticidade poderão levar os consumidores europeus e americanos a escolher um vinho português em detrimento de um vinho de outro país. Só por milagre ou por engano, como quando os produtores portugueses baptizam os seus vinhos com nomes estrangeiros para lhes mascarar a origem, alguém em Londres, Sidney ou Tóquio irá comprar um Cabernet Sauvignon luso quando dispõe de tantas alternativas apelativas e fiáveis.

Por muito custe ouvir a temível realidade perante vinhos que se assemelhem, perante vinhos equivalente na escolha de castas e preço, a maioria optará por comprar vinhos do novo mundo, entendidos pela maioria como sendo mais seguros, consistentes, gulosos e fáceis de entender. Existem razões históricas para esta percepção entendidas pelo pragmatismo e maior liberdade que existe nos países do novo mundo em oposição ao espartilho legislativo que bloqueia a maioria dos países produtores do velho continente.

Enquanto a Europa vive sob o primado das regiões, sob uma divisão em denominações de origem, os países do novo mundo estão livres desta noção e de quase todos os constrangimentos o conceito acarreta. A consequência prática é que cada produtor pode ir comprar uvas onde bem lhe apetecer, estejam estas na vinha ao lado da adega ou a mais de setecentos quilómetros de distância, esbatendo o conceito de maus anos agrícolas e assegurando uma consistência de qualidade muito apreciados pela maioria dos consumidores. Uma consistência que se aproxima o vinho da artificialidade mas que também lhe acrescenta previsibilidade e segurança, conceitos que a maioria dos consumidores valoriza.Rui Falcão

Ora se as atenções dos consumidores estão focadas tendencialmente nos vinhos do novo mundo como poderão os vinhos portugueses competir com eles usando as mesmas armas sem disporem dos mesmos argumentos legislativos e da mesma capacidade de sedução? O que levaria um alemão a preferir um Merlot português a um Merlot chileno quando tem a certeza que o segundo será sempre bom e sem flutuações de qualidade de uma colheita para a outra? O que levaria o mesmo alemão a escolher um Syrah português em detrimento de um Syrah australiano quando ele não associa a casta a Portugal?

Por que razão então alguns produtores nacionais insistem em produzir vinhos de castas internacionais quando sabem que o seu potencial de comercialização estará restringido, na melhor das hipóteses, ao mercado interno português? Por que razão alguns produtores perdem tempo a produzir vinhos varietais de castas internacionais quando sabem à partida que os países do novo mundo conseguirão sempre produzir mais barato que na Europa, partindo derrotados ainda antes de entrar em jogo? Pior, por que razão sendo Portugal um dos países mais ricos em variedades autóctones, a maioria das quais conhecemos mal e ainda não estudámos em profundidade, privilegiamos as variedades de terceiros, as castas internacionais que todos utilizam, desbaratando assim uma das maiores vantagens competitivas dos vinhos portugueses?

Não há nada de errado em querer aproveitar algumas das castas estrangeiras que se adaptaram bem em Portugal, usando-as sobretudo em lotes. Não há nada de errado em tirar partido das mais-valias que estas possam acrescentar aos vinhos. Mas será um absurdo acreditar que a salvação poderá chegar na forma de mais um Chardonnay ou Syrah atirado ao mundo.

Estaremos mesmo à espera de conquistar o mundo com vinhos portugueses iguais a tantos outros do mundo?

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5 Comments
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    Hugo Mendes

    March 11, 2014 at 12:46

    Bom dia Rui,

    Tenho-me batido por isso também.
    Mas há outros factores envolvidos nisso. A saber, o mercado e a forma como ele é influenciado! Basta ver o alarido aos painéis de prova da comunicação especializada e os resultados dos concursos internos. basta olhar para a admissibilidade de algumas dessas castas em denominações elevadas de qualidade,para logo se perceber que, mesmo ao nível interno, fino é produzir e beber vinhos de castas que não se sabe muito bem pronunciar o nome!

    Tenho medo que os, cada vez mais frequentes, relatos de chumbos de vinhos nas câmaras de provadores das entidades certificadoras, seja um mau sinal de uma vontade de uniformização dessas tendências nefastas à identidade das castas e dos locais!
    Hugo Mendes recently posted..O Português e o FrançêsMy Profile

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    Débora

    March 11, 2014 at 12:51

    Eu gosto da ideia de provar um Pinot Noir português, não em busca do referencial francês, mas de entender como a terra, o clima e a mão do vinhateiro podem construir um estilo de vinho completamente diferente do terroir que o tornou célebre. Nós, brasileiros, não temos uvas autócnes e por isso, nada que nos diferencie. Se bem que alguns produtores têm feito um trabalho reconhecidamente especial com cepas tradicionais de Itália e Portugal, por exemplo. Taí! Se ainda não têm grande fatia do mercado, já têm prestígio. Estes sabem que, no balaio das castas internacionais, seu vinho seria apenas mais um. E como você bem frisou, Rui, Portugal têm uma chance de ouro, uma vocação rara no mundo do vinho, a de ser o refúgio dos enófilos que procuram por novidades num mercado saturado de opções e àqueles cansados dos batidos cabernet-chardonnay.

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    Nilson Cesar

    March 11, 2014 at 13:22

    Caro Rui,

    Em um mundo dinâmico e de mudanças rápidas a necessidade de adaptação muitas vezes levam muitos a procurar por segurança,frente as mudanças, então surge a pseudo-brilhante ideia de padronização como porto seguro; um erro! Segurança no vinho é fazer brilhar a riqueza histórico cultural dos sítios geo climáticos onde a adaptação secular, isto sim, faz evoluir uma digital do sabor proporcionado pelo prazer advindo. Portugal é um celeiro repleto de coisas maravilhosas, o mundo vai reconhecer, portanto é mal negócio perder a identidade!
    Abraço!

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    Luis Pato

    March 16, 2014 at 17:51

    Embora tenha usado até há onze anos a Cabernet nos meus vinhedos para fazer corte com a uva Baga e usando o reconhecimento desta para explicar nos USA que se tratava de um vinho com a Uva que eles conheciam com a uva que eu amava. Desisti e arranquei esse vinhedo porque todo o mundo me conhecia como Mr. Baga!
    Concordo em absoluto contigo e com o que o Hugo escreve. Hoje são as câmaras de provadores que ” empurram” para as uvas ” comodity” porque estão mais viradas para os aromas e sabores ” exóticos” que para a diferença das uvas nacionais.

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    Flavio Henrique

    May 18, 2014 at 21:01

    Excelente artigo!
    Adoro os vinhos portugueses e sempre busco neles a autenticidade trazida pelos métodos tradicionais de vinificação e pelas castas autóctones. Confesso que tenho rigor até com cortes que levam uvas internacionais. Não é preconceito: É opção! Prefiro aqueles que contêm apenas castas portuguesas. Abro poucas exceções. Duas delas são para os vinhos da Cortes de Cima e Quinta do Monte D’Oiro, que produzem Syrah que me agradam muito mais que os famosos (jammy) australianos. Ficarei muito triste quando algumas “ilhas” em Portugal, como o Dão e a Bairrada (do grande Luís Pato), forem invadidos por castas internacionais. Infelizmente, esta última já está sendo. Que a Baga vença!
    Saudações,
    Flavio

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